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Carta à greve #2

Mesmo com a greve das trabalhadoras e trabalhadores dos Correios, nossa segunda carta chegou. E é justamente sobre a adesão nos últimos dias a essa tática, dentro do campo da educação e nas demais categorias da classe trabalhadora, que queremos refletir em nossa segunda escrita coletiva sobre impressões e esperanças da greve que se desenha na UFSC. Embora a categoria docente tenha optado, na semana passada, por não aderir à greve de tempo indeterminado, acreditamos que temos bons motivos para continuar com toda a força.

1. No embalo domovimento da UFSC, já vemos outras universidades pautarem a greve

Nossas companheiras e companheiros de outras universidades nos enchem de uma alegre rebeldia e da certeza de que essa luta está para muito além de nós. Desde 17 de setembro, as estudantes do campus Jaguarão da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) estão paralisadas em luta. Na UNESP de Marília (SP), houve paralisação nos dias 18 e 19 de setembro com chamado a uma Greve Nacional da Educação. As docentes da UFPR, nossa vizinha do Paraná, tiraram indicativo de greve por tempo indeterminado e assembleias estudantis também têm discutido a construção da greve. Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a Reitoria foi desocupada após a vitória na reivindicação pelo pedido de destituição do interventor Recktenvald, a ser aprovado no Conselho Universitário – decisão acompanhada de perto pela categoria docente, que discute uma greve por tempo indeterminado caso o interventor não saia.

2. A luta pela educação é também uma luta contra o desemprego

Enfrentamos tempos muito difíceis para a educação pública, mas não podemos perder de vista que a vida está dura para todo o povo. Neste ano, foram milhares de pós-graduandas e pós-graduandos com as bolsas cortadas, retribuição que é a única fonte de sustento de muitas trabalhadoras que produzem pesquisa no país. Realizar produção acadêmica e científica é uma forma de trabalho importante para a sociedade, que ocupa tempo e esforço significativos, mas que opera em uma lógica de precarização ao não oferecer salário real nem direitos trabalhistas. Por isso, cortes nas bolsas são sinônimo de aumento do desemprego em massa que vive a classe trabalhadora brasileira!

Além disso, os cortes no orçamento da UFSC levaram à demissão de quase 100 trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas. Por todo o Brasil, esses cortes significam mais milhares de pessoas sem emprego. Essa situação só reforça o atual quadro de crescimento alarmante dos trabalhos precarizados e sem direitos, os fenômenos da terceirização e uberização que avançam junto com o projeto neoliberal, explícito em propostas como a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017.

A verdade é que o “trabalhador brasileiro é tratado que nem lixo”! É fundamental que nossa greve fale alto e fale sempre: estamos na luta junto ao povo por serviços públicos, direitos sociais e por mais emprego!

3. A precarização do trabalho e aumento no custo de vida serão enfrentadas com luta popular e mais greves

Porém, que nem o Criolo, estamos “pra ver um daqui sucumbir”. Historicamente a precarização da vida sempre foi respondida através de lutas coletivas por melhores condições. O aumento do custo de vida, aliado às altas taxas de desemprego e sub-emprego, são uma afronta direta à classe trabalhadora que é sentida na pele.

A greve é uma maneira concreta de responder àqueles que nos roubam lá de cima, em um projeto colocado em prática pelo Estado e o mercado. Assim, ressaltamos que trabalhadoras dos Correios começaram recentemente a primeira greve nacional deste ano, na luta contra a privatização da companhia pública que, desde 1663, possibilita a correspondência entre gente dos mais diversos lugares. Quem não lembra do filme Central do Brasil e tudo o que uma carta carrega na história de nosso povo?

Além dos Correios, trabalhadoras da CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina) estão para entrar em greve na próxima segunda-feira, dia 23, reivindicando o que a empresa não cumpriu desde o último acordo. A categoria dos petroleiros também está em estado de mobilização e há discussão sobre greve, após a intenção da Petrobras em não renovar o Acordo Coletivo de Trabalho – a proposta da empresa foi rejeitada e, neste momento, há mediação junto ao Tribunal Superior do Trabalho. A categoria dos caminhoneiros é mais uma que discute a possibilidade de greve, frente ao não cumprimento das tabelas mínimas de frete e o aumento do diesel anunciado na última semana.

4. Construção da greve com a força de cada setor que luta ao nosso lado

É dentro desse panorama de lutas, indignação popular e grandes necessidades materiais que nós começamos há duas semanas uma greve estudantil e chamamos o país a uma greve nacional da educação. Nossa pauta é justa e urgente: as bolsas que sustentam nossas pesquisadoras, o dinheiro que garante o emprego das trabalhadoras terceirizadas, a manutenção do restaurante que nos alimenta e a continuidade da educação pública, acessível às classes oprimidas. A verdade é que não temos nem mesmo do que abrir mão: são reivindicações básicas que cada uma de nós precisa.

A vitória do movimento grevista é incerta, é verdade. Porém, nossa escolha foi feita na coragem e na certeza de que a ação direta é a arma que nos temos. Temos a certeza da história vitoriosa de greves construídas em todo o mundo, em que o povo organizado conseguiu fazer valer seus direitos e sua vida digna. Também temos a certeza de que não estamos sós: a luta se expande por toda parte onde há injustiça. Se a Amazônia queima nas mãos do latifúndio e a violência policial é norma nas periferias de Florianópolis e do Brasil, é com uma greve geral que conseguimos unir nossas indignações e dar um basta a esse projeto de morte.

Dentro da UFSC, temos a decisão das servidoras técnicas pela greve nesta semana. Também temos quase 400 docentes que votaram pela greve por tempo indeterminado e novas ações de mobilização que serão propostas, incluindo a adesão aos dois dias de paralisação nacional da educação – que só terá qualquer utilidade se servir para impulsionar a construção da greve nacional por tempo indeterminado, o quanto antes.

A luta não para no primeiro obstáculo. Sem perder a fé em nós e em nosso horizonte de vitória: se a luta parece incerta, encontremos a certeza nos olhos de nossas compas lado a lado, dentro da UFSC, nas outras universidades em que a luta se fortalece, nos Correios, na CELESC e nas demais categorias em luta!

NÃO TÁ MORTA QUEM PELEIA!
RUMO À GREVE GERAL!

Resistência Popular Estudantil – Floripa
23 de setembro de 2019

Carta à greve #1

Iniciamos hoje uma sequência de cartas à greve estudantil que se inicia na UFSC, rumo à greve nacional da educação. São apontamentos e esperanças para a construção da luta coletiva.

No dia 10, lançamos um texto analisando o movimento de greve na UFSC e sugerindo caminhos para a mobilização. Naquele mesmo dia, a Assembleia Geral da Graduação aprovou por grande maioria a tática da greve estudantil, após um processo em que mais de 70 Cursos realizaram assembleias e decidiram por greve ou estado de greve. Um dia depois, a maior Assembleia Geral da história da Pós-Graduação da UFSC também votou maciçamente a favor da greve estudantil na pós. Estamos vendo a história se fazer na UFSC, a partir de nossas mãos, conforme essa jornada de lutas toma força.

Desde então, as servidoras técnicas tiraram um estado de greve; um setor do movimento docente deliberou em assembleia pelo estado de greve e houve as primeiras reuniões de Comitê Geral de Greve, na graduação e pós-graduação. Foram enviados também chamados para que FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil), UNE (União Nacional dos Estudantes) e ANPG (Associação Nacional dos Pós Graduandos) construam uma greve nacional da educação, tendo a FASUBRA deliberado em plenária nacional nesse final de semana apoio à greve na UFSC e construção de um movimento nacional grevista. Ainda há muito a ser dito e refletido sobre esse processo. Nessa primeira carta, gostaríamos de ressaltar três posições, vinculadas diretamente às atividades de mobilização da semana.

1. Só existirá greve nacional da educação se houver greve de servidoras técnicas e docentes na UFSC

A primeira tarefa desta semana é a agitação e convencimento para efetivar a greve via SINTUFSC e APUFSC. Nosso exemplo já foi dado nas últimas duas semanas, mobilizando uma enorme greve estudantil. As servidoras técnicas votam em assembleia nesta terça (17), as docentes em votação online até a quinta (19). São três dias para encher os corredores de faixas, batucaços, cadeiraços e também de diálogo e argumentação com as outras categorias, seja nas salas de trabalho, nos colegiados, nas assembleias de curso e de centro.

Nossos principais argumentos são o significado histórico da greve, como instrumento que trouxe nossas principais conquistas e direitos; o caráter que estamos construindo de uma greve-mobilização, repleta de atividades e com a tarefa de ir ao encontro da comunidade externa à universidade; a importância da paralisação como demonstração explícita para a sociedade sobre os efeitos das atuais políticas para a educação, que inviabilizam a existência da universidade pública; e a capacidade da tática de greve em estimular lutas similares nas outras instituições de ensino e, até mesmo, nas demais categorias de trabalhadoras. Sem a greve, ainda não há alternativa de luta que esteja à altura em termos de força e impacto.

Por fim, se esses argumentos não forem suficientes, é necessário dizer que a categoria estudantil já tomou essa decisão e a greve virou uma realidade, parando a maior parte das aulas e funções da UFSC. A aposta foi feita, não há como retroceder; só resta à comunidade universitária participar dela e fortalecê-la.

2. A organização da greve acontece no Comitê e Comandos de Greve

Autogestão significa democracia de base e federalismo. É do diálogo em cada assembleia de base e reunião de comando de greve que devem sair as propostas para nossas atividades, que precisam ser apresentadas em um espaço de representação de cada assembleia ou reunião de base para uma decisão comum. Por isso, é fundamental que o Comitê Geral de Greve, que reúne os Comandos de Greve de cada Curso, seja um espaço de participação por delegação.

É pedagógico para a luta que toda a militância seja lançada às bases. Quem quer participar, dar propostas, discutir os rumos da greve precisa fazer isso, antes de tudo, na base do seu Curso, Programa, categoria ou coletivo/setor com representação no Comitê Geral. Propostas que não passaram pela base ou participação individual em Comitê Geral de Greve são formas explícitas de vanguardismo e ferem a construção coletiva da luta.

É no processo da luta que construímos um aprendizado político da delegação com controle da base, que deve ser rotativa e levar em frente apenas as propostas decididas nas assembleias e reuniões de base.

3. A greve demonstra sua força lá fora, não aqui dentro

Na segunda semana de greve, já vimos extensos calendários de atividade construídos em cada Curso e Programa, mostrando a disposição de fazer uma greve viva e ativa. No entanto, a maior parte dessas atividades aconteceu dentro da universidade, restrita à comunidade interna, e ainda por cima reproduziu o modelo de funcionamento tradicional da instituição: palestras e aulas se transformaram em aulões públicos, ainda que geralmente com temas mais críticos. Isso não é suficiente e, no limite, desviam nossos esforços de construir uma greve mais forte.

Existem algumas atividades de formação que podemos realizar dentro da Universidade, desde que elas tenham relação direta com a organização da greve e as atividades externas que queremos fazer: oficina de análise de conjuntura; oficina de controle, vigilância e segurança; debates sobre função social da universidade; debates sobre a situação da educação, ciência e tecnologia públicas; oficinas de produção de materiais; debates sobre comunicação e redes sociais; formação sobre greves, seu papel histórico e o direito de greve. Demais temas devem ser discutidos diretamente nas comunidades e espaços públicos, chamando atenção pública para a greve e seus motivos.

A principal forma pela qual nossa greve incomoda o governo federal e os setores privatistas é quando rompemos os muros da UFSC, seja para falar sobre a importância da educação pública, para denunciar os malefícios das políticas que estamos vivendo ou para somar forças com as lutas que já acontecem lá fora. Assim, temos que centrar esforços em organizar atos; panfletagens; fazer propaganda de rua e intervenções artísticas; levar atividades para escolas e espaços comunitários; fazer comunicação nas redes sociais; e levar nossa disposição de apoio e luta para os movimentos sociais já existentes.

Seguimos na construção de uma greve forte na UFSC, rumo à greve geral da educação.

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé,

16 de setembro de 2019.