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A paralisação da Odonto e a necessidade de derrubar a EC95

As(os) estudantes do curso de Odontologia da UFSC paralisaram suas atividades entre os dias 25 e 28 de setembro devido às precárias condições estruturais do curso. Em carta, reivindicam um melhor e mais transparente planejamento da aquisição e da gestão dos materiais necessários ao curso, a alteração na planilha de gastos da UFSC com um repasse de verbas adequado às suas necessidades, e reformas que garantam o bom funcionamento da infraestrutura de radiologia, laboratórios, clínicas e centro cirúrgico.

A Centospé apoia a luta do movimento estudantil da Odonto, preocupada com as condições mínimas de funcionamento do curso e, particularmente, com o serviço oferecido gratuitamente à comunidade na Clínica. Sabemos que nos últimos anos todo o orçamento da Universidade vem caindo. Isso ocorre não só por conta de uma deliberada diminuição da verba investida na educação superior no país, desde os governos Dilma, mas também como consequência direta da PEC do teto de gastos aprovada no final de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95. Essa medida impede que o Governo Federal opte por investir mais na educação e na ciência brasileiras, privilegiando os interesses daqueles que lucram com os juros da dívida pública, cujo pagamento não foi restringido pela EC 95.

No segundo semestre de 2016, construímos uma forte mobilização estudantil na UFSC contra as medidas impopulares do Governo Temer, colocando em prática o princípio da ação direta através das ocupações. Lutamos contra o congelamento dos gastos, contra a reforma do Ensino Médio, a reforma trabalhista e da previdência, entre outras muitas medidas que nos atacavam de cima para baixo. Algumas dessas batalhas foram perdidas, outras ganhas através da força do povo nas ruas durante aqueles meses. Formamos militantes e caminhamos na construção de um movimento estudantil mais combativo, na luta por mais direitos e contra os retrocessos.

Passados quase dois anos das ocupações na UFSC, enfrentamos o visível sucateamento da Universidade e destacamos que é impossível enfrentá-lo de verdade sem derrubar a EC 95. Essa situação está explícita na precária e perigosa situação estrutural do CFM, do MArquE, da Moradia Estudantil e da Maloca (moradia para estudantes indígenas), que estão animando outras lutas na Universidade nesse momento. Essa emenda é o que sucateia as clínicas de atendimento e centros cirúrgicos, causa a falta de materiais nos laboratórios e a precariedade cada vez maior das salas onde temos aula. Ela também fecha nossos museus e põe fogo em nossas memórias. Essa emenda faz parte de um projeto amplo de destruição dos serviços públicos: não por acaso, o curso de Engenharia Civil da UDESC de Joinville também teve uma paralisação na última semana.

Ou seja, é preciso que estejamos todas e todos na luta contra a EC 95! Para isso, precisamos voltar nossos esforços para a construção de um movimento estudantil forte, com participação na base e com os métodos de ação direta, como as paralisações e ocupações, acolhendo as lutas autônomas que se somam no caminho.

Por isso, apoiamos a luta das/dos estudantes de Odontologia, assim como a da Engenharia Civil da UDESC/Joinville. Seguimos na luta contra a EC 95 e pelos investimentos públicos necessários para que esses cursos possam servir ao interesse público e popular, para reverter as amarras que nos prendem a um projeto de universidade nefasto: primeiro falida, depois dominada.

PELA DERRUBADA DO TETO DE GASTOS! POR UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA E POPULAR!

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé

Florianópolis, 1º de outubro de 2018

Nota de apoio aos alunos bolsistas do Colegiado do Curso de Cinema da UFSC

O curso de graduação em Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC repudia os cortes das bolsas permanência, especialmente os que atingem alunos indígenas e quilombolas. Estes cortes, promovidos pelo governo golpista, estão obrigando centenas de alunos a desistirem de cursar o ensino superior.

Os alunos, professores e servidores-técnicos do curso de Cinema da UFSC estão inconformados com esta situação e conclamam que outros setores da UFSC tomem posição sobre esta brutalidade cometida contra os mais frágeis e, ao mesmo tempo, os que mais promovem a possibilidade de diversidade cultural na Universidade. Salientamos que a UFSC é uma referência no Brasil na incorporação de estudantes indígenas e que devemos ser uma das primeiras a reagir perante este retrocesso, lembrando que o governo ilegítimo está em pleno processo de desmonte do Ensino Público.

Colegiado do Curso de Cinema da UFSC

Por um DCE construído de baixo para cima: propostas para o Regimento do CEB

O Conselho de Entidades de Base (CEB) é uma ferramenta importante na construção da mobilização estudantil. A existência de um Regimento para o CEB pode cumprir um papel importante por apresentar a natureza deste Conselho e explicitar os meios justos para seu funcionamento, como convocatórias, quórum e formas de deliberação. No entanto, o processo de elaboração do Regimento deve representar um acordo construído no movimento estudantil. Ao contrário disso, a Diretoria do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC afirma um acordo consigo mesma sobre uma proposta elaborada por apenas um Centro Acadêmico (CA), buscando aprová-la o mais rápido possível, sem considerar o desgaste consequente para as lutas do movimento estudantil

Até o momento, já foram convocadas 09 reuniões de CEB tendo como pauta única a discussão da proposta regimentarsendo que 03 delas não atingiram quórum mínimo de apenas 16 CAs e inúmeras foram incapazes de votar um ponto sequer, restando ainda 13 artigos com destaques pela frenteTrata-se de um documento composto por 20 artigos, mas incompleto para regimentar um espaço em constante disputa, o que ainda nos leva a ter pela frente a discussão de sugestões e críticas a pontos ausentes. Nesse processo, Centro Acadêmico Livre da ArquiteturaCentro Acadêmico da BiologiaCentro Acadêmico Livre da Psicologia – três dos CAs mais atuantes no movimento estudantil da UFSC – já lançaram notas críticas à proposta e à forma como a Diretoria do DCE vem tocando a discussão.

A Coletiva Centospé tem acompanhado os debates sobre o Regimento e entende que o processo longo e improdutivo, desde a reformulação do texto às votações, é consequência da falta de discussões aprofundadas sobre a natureza do Conselho e seus objetivos. Há uma tentativa da Diretoria do DCE em “mostrar serviço” através da produção de um Regimento que sirva como legado da gestão, o que compromete todo o movimento estudantil com uma pauta arrastada e cheia de atropelos.

Para resistir em defesa de uma Universidade Pública e Popular, a militância estudantil precisa dar centralidade às mobilizações. Nas últimas semanas, vivemos momentos importantes na luta por moradia estudantil, no caso da postura racista da diretora do CFH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) com as estudantes indígenas, no corte nacional às bolsas permanência indígena e quilombola,  na luta contra as fraudes nas Ações Afirmativas raciais. São apenas alguns exemplos de pautas que não podem ficar restritas às reuniões amplas da Diretoria do DCE, que não possuem tradição de agregar as diferentes forças políticas da UFSC. Enquanto isso, um espaço de luta legitimado como o CEB é condenado a uma agenda burocrática em torno de si mesmo.

Nós acreditamos que um movimento estudantil forte não se constroi a partir da direção das entidades representativas, por isso não compusemos nenhuma chapa nas eleições à Diretoria do DCE. Buscando dialogar com as bases do movimento estudantil e contribuir com o debate dos Centros Acadêmicos e forças políticas da Universidade, faremos algumas considerações sobre princípios que implicam outra forma de enxergar o Regimento do CEB.

Autonomia das entidades de base

Cada entidade de base é resultado dos acordos e acúmulos feitos no movimento estudantil de seu Curso, na diversidade de suas lutas e debates, o que garante, por exemplo, a legitimidade de CAs autogestionados sem processo eleitoral é a sua própria base; por isso, não cabe à Diretoria do DCE o controle sobre as formas organizativas de cada CA. Além disso, o Conselho é orgão fiscalizador do DCE, não das entidades de base, então não é pertinente que ele legisle sobre como cada CA deve enviar representantes ou garantir que sua representação seja legítima.

Segundo o Estatuto do DCE, o CEB é um órgão administrativo do DCE (assim como a Diretoria, a Assembleia Estudantil e o Congresso Estudantil) e possui caráter deliberativo, consultivo e fiscalizador. A Diretoria é apenas o órgão executivo do DCE e o CEB está acima dela, ao mesmo tempo em que o Conselho está submetido apenas às Assembleias e Congressos. Dessa forma, também não cabe à Diretoria do DCE o controle sobre o CEB, nem a garantia de mesa das sessões, uma vez que o CEB parte das entidades de base.

Aliás, cabe ressaltar que, ao contrário do que se costuma dizer, o DCE não é a Diretoria; toda estudante faz parte do Diretório.

CEB como instrumento de luta

O CEB serve para organizar as lutas do movimento estudantil, então o seu engessamento não pode estar previsto no Regimento. É necessário garantir a liberdade para discutir qualquer assunto que for sugerido como pauta, cumprindo o acordo de quórum para a sessão, sem ferir a autonomia dos CAs em deliberar sobre os temas que se julgar pertinentes em determinada conjuntura.

Um Regimento que não compreenda essa dimensão e não dialogue em sua concepção com a natureza de mobilização do Conselho, cai em uma burocratização que pode impedir a ação efetiva nas situações reais. É necessário garantir ao CEB a agilidade necessária para mobilizar lutas e lidar com qualquer emergência que aparecer pela frente, permitindo a convocação pelas entidades de base e a inclusão de pautas emergenciais fora do prazo, desde que seja resguardado algum mecanismo de veto a uma pauta sem a antecedência necessária.

Todo poder ao CEB

Uma reunião de CEB, organizada com pauta em antecedência, convocação aberta e quórum de CAs para tomar decisões, é muito mais legítima e democrática que uma reunião interna de Diretoria, onde podem estar poucas estudantes e sem uma representação significativa dos cursos – o mesmo vale para as reuniões abertas, como tem realizado a atual gestão. Por isso, defendemos que o CEB tem legitimidade para tomar qualquer decisão dentro dos limites do Estatuto e das posições de Assembleias e Congressos, o que envolve todas as ações da Diretoria.

Isso significa, por exemplo, que o CEB tem legitimidade para tirar notas de posição e organizar atividades em nome do DCE, deliberar sobre o uso do dinheiro, decidir sobre as posições a ser levadas nas instâncias universitárias e tomar ações a respeito dos seus espaços físicos.

Através da autonomia e do poder devidamente localizados nas entidades de base, temos um incentivo para sua construção e fortalecimento pelas forças do movimento estudantil, reforçando a importância da presença dos Centros Acadêmicos. Essa mudança de percepção da relação CEB-DCE valoriza o esforço de quem está efetivamente construindo as lutas no cotidiano e vivenciando as bases.

Quanto mais poder o Conselho possuir, menor é a pressão para que se jogue toda a força do movimento estudantil nas eleições da Diretoria do DCE, o que inclui os gigantescos gastos financeiros e de tempo envolvidos. Diminui também, automaticamente, a pressão para construir chapas com centenas de membros, onde na prática a grande maioria não vai construir a gestão, além de perder força a tática desleal de organizações políticas de trazerem militantes de fora da UFSC para ajudar nas campanhas – que não agrega em nada para a luta.

Horizonte organizativo do Movimento Estudantil

Defendemos esses princípios para subsidiar a construção coletiva de uma nova proposta de Regimento para o CEB, mas sabemos que eles também apontam em direção a uma transformação fundamental para o DCE e para o movimento estudantil da UFSC: o abandono do modelo de Diretoria eleita e adoção da gestão cotidiana da entidade através das entidades de base, em reuniões do ConselhoLembramos que o DCE UFSC já funcionou durante um semestre inteiro sem Diretoria em 2011, organizado a partir de reuniões do CEB, uma experiência em que a entidade manteve seu bom funcionamento.

Esse horizonte é importante para nós porque traz consigo uma pedagogia da ação direta, em que não delegamos nossa capacidade de intervenção política para uma Diretoria que fala em nosso nome, mas fortalecemos a lógica de que é preciso fazermos nós mesmos o que queremos que seja feito. Para nós, é isso que significa o lema de fazer por nossas mãos tudo que nos diz respeito“.

Existe um papel importante cumprido pelas eleições anuais do DCE, que é o debate sobre o projeto de movimento estudantil e o projeto de Universidade que nós queremos. Porém, quando estamos elegendo pessoas e não diretamente os projetos, existe um forte rebaixamento da política para a lógica eleitoral, onde se criam falsas alianças para entrar melhor na disputa pelo cargo e se defendem determinadas propostas com fim exclusivo de atrair votos, sem real interesse em construir essas ações. Sugerimos transformar a eleição da Diretoria em um Congresso de Estudantes da UFSC, quando se debatem e aprovam teses.

Com uma eleição de teses  propostas políticas práticas, e não um conjunto de pessoas (chapa)  o debate passa a girar em torno das pautas, sem necessária formação de blocos ou alianças. Assim, perdem espaço os votos personalistas, as manobras eleitorais e o posicionamento interesseiro das chapas para convencerem estudantes alheias ao debate a votar em cima da hora. Por sua vez, o que ganhamos com essa forma organizativa é a possibilidade de focar os debates sobre os projetos de Universidade e as lutas que precisamos para construí-los, contando com a força e a presença de quem está disposto a trabalhar, não de quem apenas busca o controle das entidades representativas.

O que defendemos aqui é um horizonte de auto-organização e construção desde a base no DCE. O movimento estudantil é a ação conjunta das estudantes para transformar a realidade. Com as práticas de autonomia, participação direta e combatividade é que se constroi uma educação a serviço do povo e uma nova sociedade.

Coletiva Centospé

Florianópolis, 21 de junho de 2018

Sobre o CABio, Autogestão e Revolução

A resistência legítima em prol do autogoverno, da autodeterminação e da autodefesa representam a maior luta pela liberdade que se pode exercer.
 
Neste semestre, a legitimidade do funcionamento em autogestão do Centro Acadêmico de Biologia da UFSC (CABio) foi questionada por militantes da Juventude Revolução (JR) e estudantes independentes. Há mais de dez anos o CABio não realiza processos eleitorais, mas continuou realizando reuniões periódicas, cumprindo suas tarefas de organização, mobilização, recepções, ações de extensão, defesa estudantil ou participação nos eventos do Movimento Estudantil de Biologia do Sul do Brasil. O CABio é historicamente construído por dezenas de pessoas, a média de participação nas reuniões semanais, ao longo dos últimos três anos, girou em torno de dez a vinte pessoas, algumas com mais de trinta pessoas, entre uma maioria não vinculada a organizações políticas e também estudantes organizadas. A  União da Juventude Comunista (UJC), o Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN), a Juventude do PT (JPT) e a Esquerda Marxista (EM) são alguns dos grupos que já participaram da construção do CABio ou estiveram presentes em atividades puxadas por ele. No entanto, graças a estudantes independentes que tiveram participação ativa nos últimos anos, o CABio nunca dependeu de nenhum dos grupos citados acima para funcionar; pelo contrário, em vários momentos continuou cheio e atuante mesmo sem participação de nenhuma organização política. Desta forma, nós, da Coletiva Centospé, que participamos do CABio desde antes de nosso grupo surgir – no final do ano passado, gostaríamos primeiramente de saudar a diversidade de posições que sempre esteve presente dentro do Centro Acadêmico.
 
O modelo de funcionamento autogestionado não havia anteriormente impedido a construção coletiva, mesmo por organizações que – ao contrário de nós – não defendem a autogestão como princípio e horizonte político. Foram mais de cem estudantes que passaram por reuniões do Centro Acadêmico nos últimos três anos, pessoas que construíram a entidade e diversas lutas através da autogestão. Ao contrário de ser o que possibilita a pluralidade nas discussões e nas construções, como se vê pelo histórico do CABio, a autogestão agora é apontada pela JR como uma forma que impossibilita a definição de um programa de lutas ou de um horizonte revolucionário, além de não ser democrática como seria um processo eleitoral. A JR é uma organização de juventude vinculada à corrente trotskista O Trabalho (OT), o qual faz parte do Partido dos Trabalhadores (PT). Vale ressaltar que essa organização tem militado nos últimos meses com centralidade na candidatura de Lula em 2018.
 
Por isso, queremos aproveitar esse momento para aprofundar o que entendemos por autogestão, como meio e horizonte de luta na construção de uma sociedade organizada desde baixo, permeada pela autonomia. Além disso, queremos pontuar por que consideramos o CABio autogestinado um espaço legítimo, em sua organização e ação.
 
O que a Centospé defende quando fala de autogestão?
 
A palavra autogestão é relativamente recente na história das lutas sociais. Seu primeiro uso provável foi nos anos de 1950 na Iugoslávia socialista, como oposição ao modelo de forte centralização, expansão industrial e imperialismo soviéticos. Nasce para língua, portanto, em servo-croata: samoupravlje. Entretanto, antes de ser palavra, já era prática. Herança histórica das lutas dos povos oprimidos, a autogestão esteve presente no funcionamento da Comuna de Paris em 1871, a primeira experiência de autogoverno inspirada no socialismo da história; também entre sovietes livres da Revolução Russa (1917); e na Revolução Espanhola em 1936, quando a cidade e o campo foram organizados de baixo pra cima.
 
Mais do que esses exemplos, vemos a autogestão viva como palavra e prática ainda hoje, desde Chiapas até Rojava. Ela vive com indígenas zapatistas no México, que praticam uma revolução de autonomia e autogoverno desde 1994; também vive na Revolução Curda, que estabeleceu vastas áreas de autogoverno entre a Síria e Turquia, a partir da democracia de base, da participação feminina, do anticapitalismo e da negação do Estado. Além disso, aqui mesmo no Brasil, ocupações de escolas e universidades em 2015 e 2016 foram construídas de forma autogestionada. Na maioria das escolas, as decisões foram tomadas pelas próprias estudantes de base, que pegaram na mão a tarefa da ação política, ao invés de delegar a função para outras representantes. Então, quando se ataca a autogestão em 2017, o que se está atacando também é o legado das maiores lutas estudantis das últimas décadas.
 
Acreditamos, então, que a autogestão não é apenas um método ou formato de organização, mas a negação do princípio político da representatividade burguesa, onde nossa capacidade política é entregue para outra pessoa, como uma alienação da nossa força de pensar e agir politicamente. Trata-se, portanto, de um método fundado na autonomia, o que propicia a atividade criadora individual e coletiva, possibilitando que novas relações sociais sejam tecidas ali e também que novas estratégias de luta surjam. Isso tudo graças a autonomia advinda da não-hierarquização de sujeitos a quem não competem posições fixas de trabalho: na autogestão há a necessidade de superar as dicotomias entre o trabalho manual e o intelectual, entre as pessoas que só pensam e as que só fazem, entre as dirigentes e as executoras. Adotamos, pois, a autogestão como um princípio porque ela é um bom método para as lutas que agora travamos, mas principalmente porque ela é um horizonte revolucionário de sociedade, com o autogoverno das classes oprimidas. Se os fins são esses, não podemos escolher outros meios. E é por isso que negamos as formas organizativas que nos eduquem em sentido oposto ao desejado.
 
CABio e a construção de um horizonte
 
Sem chapas nem campanhas, o CABio alcançou legitimidade e direito para representação estudantil no Conselho do Centro de Ciências Biológicas (CCB) e Colegiado de Curso, onde teve participação ativa e decisiva nos últimos três anos, muitas vezes contra a Direção e setores elitistas, tecnocráticos ou produtivistas de professores. Foi por luta e legitimidade da representação estudantil desse CABio autogestionado que o CCB foi um dos únicos Centros que votou contrário à cessão do HU para a EBSERH, mesmo quando a antiga Diretora era do campo político da antiga Reitora. Foi por campanha dessa mesma representação que o CCB foi favorável à paridade na última eleição de Reitoria, mesmo quando dezenas de professores se organizaram para defender que seu voto valesse 87 vezes mais que o nosso. Foram as cadeiras do CABio, incômodas mas legítimas, que mudaram os rumos do Regimento do CCB nesse ano e que defenderam uma concepção de extensão universitária minimamente popular, contra interesses produtivistas e sem retorno da UFSC para uma comunidade outra que não a científica.
 
Além disso, foi esse CABio autogestionado que puxou uma forte campanha pelo boicote do ENADE em 2014, questionando os critérios meritocráticos da avaliação do MEC. Também teve participação ativa durante a luta em defesa do HU 100% SUS, mandando delegação para o Seminário Nacional Contra a EBSERH e mobilizando no CCB uma das maiores rejeições proporcionais no plebiscito sobre a mesma. Em 2015, puxou uma greve estudantil de uma semana contra os pesados cortes de verba na educação realizados pelo Governo Dilma e nesse mesmo ano, constituiu uma rede de solidariedade no Curso ao Movimento Ponta do Coral, ajudando a conquistar um fundamental apoio institucional da Universidade a essa causa popular.
 
Em 2016, puxou uma nova greve estudantil contra os ataques do Governo Temer. O CABio, único CA do CCB, mobilizou sozinho a ocupação de um dos seus prédios durante a onda do final do ano passado: uma ocupação que teve participação diária de cerca de quarenta estudantes e formou dezenas de militantes. Ano passado, ainda organizou o Encontro Regional Sul de Estudantes de Biologia na comunidade tradicional dos Areais da Ribanceira, em Imbituba, apoiando a luta pela terra na região, atacada por empresas transnacionais e pela Justiça elitista. Em 2017, esteve presente em peso nos atos e ações das duas Greves Gerais; e dentro da universidade colocou-se contra o aumento do passe do RU para as trabalhadoras terceirizadas e no combate às ações higienistas da DESEG contra pessoas que moram no campus. Nesse semestre, o CABio deu apoio para a ocupação do INCRA pelo movimento quilombola e foi fundamental na mobilização contra o Marco Temporal, dando apoio logístico e financeiro para a vinda de companheiras e companheiros indígenas do norte do estado para o trancamento da BR-101 próximo a Aldeia Itaty – Morro dos Cavalos. Durante todos esses anos, o CABio também foi apoiador do Estágio Interdisciplinar de Vivência (EIV-SC), ajudando junto à Via Campesina com finanças, organização de festas e participação em suas atividades.
 
Organizar uma entidade estudantil por autogestão não é a revolução, nem é por si só garantia de grandes vitórias ou avanços na luta. É preciso um processo contínuo de debate, formação e autocrítica, em detrimento a individualismo, passividade, não-participação, ausência de diálogo e disputas motivadas por interesses próprios ou de grupos. A autogestão não funciona se for prática espontaneísta, em que cada pessoa faz o que quiser, assim como não funciona na ausência de acordos comuns ou na falta de responsabilidade com as tarefas necessárias ao coletivo. A autogestão só funciona como esforço de superação dos valores capitalistas e neoliberais.
 
Não se trata apenas de fazer reuniões abertas ou não ter uma presidência formalizada em documento, mesmo que isso represente um avanço frente às formas mais autoritárias de gestão. Trata-se, principalmente, da prática de diálogo e construção coletiva que um espaço não-hierárquico promove, baseado na autonomia de cada pessoa em formular as propostas, colocá-las em debate e implementar as decisões dentro do coletivo. Um processo rico e contínuo de aprendizado e formação política, que se dá no CABio e que possibilita a pluralidade e quantidade de lutas que essa entidade conseguiu travar nos últimos anos. A história do CABio é a sua própria legitimidade, dentro da autogestão e na construção de uma sociedade desde abaixo e à esquerda.
 
Quem quer desmerecer, deslegitimar ou mesmo boicotar o CABio, vai encontrar grandes parceiros na Direção de Centro, na DESEG e seu projeto de limpeza social da UFSC; na Votorantim que devasta os povos e a natureza de Imbituba, nos latifundiários de todo o Estado e na empreiteira Hantei; no vereador Pitanta (DEM) que mobiliza a reação anti-indígena na Palhoça, no Governo Temer e seu projeto de guerra aos pobres. Nós estaremos decididamente do lado oposto, onde sempre estivemos.
 

Por isso, nos colocamos por um CABio cada vez mais forte, cada vez mais próximo das lutas sociais, com cada vez mais diálogo e participação. Defendemos a aprovação de um novo Estatuto, que supere as limitações antigas, reforce a autogestão e que dê mais força e capacidade para voltar a dedicar todos os esforços na luta estudantil e popular.

Longa vida à autogestão do CABio! O tempo urge!

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Sobre as eleições para o DCE UFSC

A votação para a direção do Diretório Central de Estudantes da UFSC ocorre nessa semana, nos dias 27 e 28 de setembro. Apresentamos aqui uma análise das forças em jogo nas eleições, uma crítica de práticas presentes entre os grupos de esquerda no movimento estudantil, nossa posição para as votações e algumas prioridades para as lutas no próximo período.

Quem são as chapas?

Temos quatro chapas disputando as eleições. A Chapa 1 “Ainda há tempo” inclui vários grupos de esquerda com posição crítica ao campo petista, como Juventude Comunista Avançando, União da Juventude Comunista, MAIS, Brigadas Populares, Alicerce, além de pessoas independentes. A Chapa 2 “Um novo enredo” reúne os setores que fizeram sustentação para as políticas do PT, como a Juventude Revolução, a União da Juventude Socialista, Juventude do PT e PDT. Essa agrupação inclui setores da centro-esquerda e também grupos que atuaram lado a lado com a direita, compartilhando seus métodos e pautas, como a UJS que esteve construindo o DCE até a última gestão. Precisamos apontar que a Chapa 2 se apropria da estética dos zapatistas, uma força política indígena revolucionária baseada em princípios de autonomia, autogestão e crítica ao Estado, propostas opostas aos grupos que constroem essa chapa. A Chapa 3 “Chapa Zero”, é fruto do grupo de mesmo nome impugnado ano passado pelas ameaças explícitas de violência machista e contra pessoas da esquerda em geral. Esse grupo, que se articula em grupos da internet com argumentos “anti-política”, tem entre seus membros pessoas com histórico de posições racistas, misóginas e abertamente fascistas que precisam ser repudiadas por todas e todos. Por último, a Chapa 4 “Pense diferente” é a continuidade do grupo de direita que estava na direção do DCE e foi completamente ausente na defesa dos direitos estudantis, resumindo sua atuação praticamente à venda de carteirinhas, blidangem da Reitoria e promoção de convênios com grupos privados.

Importante apontar que não concordamos com a caracterização de que a chapa 1 representa uma proposta de unidade da esquerda. Vários setores de esquerda que estiveram na linha de frente das lutas do último ano não estão construindo essa chapa, como muitas militantes no movimento negro, indígena, de estudantes mães e pais, da luta por permanência, além de grupos como o PSTU, a RECC, o jornal UFSC à Esquerda ou nós da Coletiva Centospé. A resistência na UFSC é muito mais ampla do que a disputa pela direção do DCE.

Construção cotidiana ou disputa por direções?

Em um contexto de graves ataques às classes oprimidas, a mobilização de tempo, esforço e dinheiro que são gastos com as eleições para o DCE apontam para um interesse maior em alcançar postos de direção, conquistar referência política e falar em nome das estudantes, do que em avançar as lutas. São escolhas que não combinam com uma atuação pela base, que acredita no poder da mobilização estudantil e na ação direta para alcançar vitórias.

Nesse sentido, fazemos algumas perguntas: onde estava todo esse esforço de imprimir materiais, fazer passagens em sala, pintar faixas, organizar festas, saraus e dedicar horas e horas em reuniões de debate político até o mês passado? Onde estava essa disposição na construção das Greves Gerais? Onde estava essa disposição quando aumentou o valor do RU para as tercerizadas da UFSC? Quando as festas foram proibidas na Universidade? Quando a Reitoria decidiu levar a UFSC Joinville para dentro de um business park privado? Quando ela firmou acordos com o Governo genocida de Israel? Quando o Conselho Universitário passou sérios retrocessos nas políticas de Ações Afirmativas no vestibular 2018?

No período que antecede as eleições para o DCE, ocorre uma “caça eleitoral por pautas”, em que as chapas correm atrás de saber quais as demandas de estudantes indígenas, da licenciatura do campo, de estudantes surdos, estudantes mães e pais, grupos de extensão popular, dos campi do interior, entre outros setores, para tentar representar essas bandeiras. Até que ponto essas chapas podem se apresentar como comprometidas, se não conhecem o cotidiano dessas reivindicações e muitas vezes não se fizeram presentes nos momentos de luta?

Rebaixamento das pautas

Muitas companheiras justificam o esforço prioritário nos períodos eleitorais com o argumento de que é um momento fundamental de fazer debate político na Universidade e fazer trabalho de base a partir das propostas de chapa.

Para nós, a disputa pelo sentido da Universidade exige posicionamento em todos os momentos sobre questões como: a defesa da não-entrada da Polícia Militar no campus e o fim da Polícia Militar em toda a sociedade, por seu histórico de atuação racista e genocida; a luta contra os interesses de mercado representados pelas fundações de direito privado na Universidade; a luta contra as formas de empresariamento representadas pelas Empresas Júnior; a defesa de uma interpretação popular da extensão, vinculada necessariamente às necessidades de movimentos sociais e grupos marginalizados; a defesa da paridade nas instâncias de decisão da UFSC e o voto universal nas eleições; a defesa do fim do vestibular e o direito ao acesso universal na educação superior; enquanto ainda há vestibular, a defesa de cotas sociais em, no mínimo, 85% das vagas, conforme a proporção da juventude que está na educação pública; a defesa de ampliação das políticas de ações afirmativas para estudantes negras e indígenas em todos os níveis; a atuação do DCE em articulação direta com os movimentos sociais e populares da cidade, defendendo seus interesses na disputa pela Universidade.

Infelizmente, muitas dessas bandeiras são ignoradas nessa época do ano por medo de perder votos. Se esse cálculo eleitoral determina nossas propostas, tem como dizer que estamos aproveitando o momento para defender nossas pautas na base? Historicamente, foi o movimento estudantil que trouxe essas bandeiras para debate. Não achamos que vale a pena ganhar qualquer entidade sem levar nossas propostas junto.

Disputa da UNE e UCE

Olhamos com sensação de retrocesso coletivo, de derrota estratégica para o campo da esquerda, quando vários grupos do movimento estudantil voltam a tentar disputar a União Nacional de Estudantes (UNE), assim como a União Catarinense de Estudantes (UCE). Isso é, inclusive, uma proposta do programa das Chapas 1 e 2 para o DCE. A UNE atuou por mais de 10 anos como um braço estudantil das políticas petistas de conciliação de classes, além de ter sido um verdadeiro freio de mão em várias das principais lutas desse período. Para citar dois exemplos drásticos recentes, a UNE levou estudantes para trabalhar de graça para a Copa do Mundo de 2014, que desalojou milhares de pessoas e beneficiou as grandes empreiteiras; assim como tirou fotos abraçadas com inimigos do povo como a ruralista Kátia Abreu.

As ocupações das escolas e Universidades nos últimos dois anos estão entre os pontos altos da história do movimento estudantil no Brasil. Essas lutas massivas passaram por fora das entidades nacionais, como a UNE e ANEL, sendo inclusive de oposição a elas em várias situações. Quando essas entidades tentaram aparelhar as ocupações e falar em nome das estudantes, foram expulsas de diversas escolas e espaços de organização do movimento.

A tentativa (fracassada) de disputar a UNE, contra a direção atual da UJS, só contribui para legitimar a entidade como espaço representativo do movimento estudantil e de sua história: quanto mais setores estudantis disputando a UNE, maior a importância ela parece possuir na construção de nossas pautas e estratégias. A reconstrução do movimento estudantil em âmbito nacional só pode acontecer a partir dos processos de luta, desde baixo, não através da disputa dessa entidade.

Para além das urnas

Pelos motivos elencados acima, não compusemos nenhuma chapa, não faremos campanha, não estaremos em nenhuma gestão do DCE no próximo ano, mas votaremos na Chapa 1, “Ainda há tempo”. Entendemos que, dentro dessa chapa, há setores com disposição para defender a Universidade Pública e não utilizar do DCE para fins de interesses do mercado, conchavos com a Reitoria ou para a defesa eleitoral do PT e de suas propostas de aliança com o capital privado na educação.

Independente de quem ganhar as eleições, continuaremos lutando desde a base: nas salas de aula, assembleias, comitês de luta, Centros Acadêmicos, grupos de extensão popular e nas ruas. Um povo forte não se constroi através da conquista da direção das entidades representativas. É a ampliação das mobilizações e o avanço de radicalidade que pode mudar a correlação de forças que estamos vivendo e resistir contra os ataques que sofremos. Compartilhamos das ideias zapatistas para construir autogestão, autonomia, dignidade e alegre rebeldia!

Desde baixo e à esquerda!
Mais fortes são os poderes do povo!

Coletiva Centospé
Setembro de 2017