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Estudantes da UFSC contra a extrema-direita

No início da semana passada, avaliamos que existia “uma grande mobilização começando na UFSC contra a extrema-direita, com indícios de que pode tomar a proporção das maiores lutas de nossa história“.

Nessa semana que passou, perdemos as contas da quantidade de assembleias estudantis realizadas na UFSC. Nesse momento, temos pelo menos nove paralisações (Pedagogia, Psicologia, Pós-Graduação em Educação, Filosofia, Pós-Graduação em Filosofia, Ciências Biológicas, Cinema, Ciências Sociais e Arquitetura), em cinco Centros diferentes, todas elas com suas próprias programações de debates e atividades. Outros cursos ainda tiraram dias de paralisação, como Design e Animação. Na quarta-feira, uma plenária no CFH lotou os três andares do prédio de aulas. Na quinta, a Assembleia Geral de Estudantes da UFSC reuniu 975 estudantes que fizeram credenciamento, além de dezenas ou centenas de pós-graduandos e demais pessoas que participaram da assembleia.

No texto publicado no início da semana, elencamos argumentos para manter a pauta em torno do #EleNão e do combate à extrema-direita, ao invés de centrar esforços na campanha eleitoral de Haddad. Entre eles, a importância de agregar um movimento de massas que inclua toda as críticas feitas ao PT pela esquerda; entender que Bolsonaro é apenas uma liderança de um movimento de extrema-direita maior, que envolve interesses de diversos atores; e por fim não cair na ilusão de que a extrema-direita pode ser derrotada através das urnas, mas enxergar que essa tarefa exigirá nossa articulação e luta para além do calendário eleitoral.

Na Assembleia Geral, prevaleceu um posicionamento de apoio ao candidato Haddad, mas vários dos cursos que estão em luta mantiveram uma posição de independência e de horizonte para além do momento eleitoral. A Assembleia também tirou posições importantes para a articulação dos cursos em luta, a formação de um comitê de autodefesa, a paralisação geral de um dia na sexta (26/10) e a convocação de outra Assembleia para o início do ano que vem, independente de quem ganhar as eleições.

Um dos debates fundamentais nesse momento é a decisão por realizar as paralisações de curso ou não.

Acompanhamos, durante essa semana, três formas de crítica às paralisações, por supostamente promover mais ataques da extrema-direita; por serem usadas para deslegitimar a universidade pública; ou porque a necessidade é de mobilização para fora do meio universitário. Ainda assim, consideramos que as paralisações são instrumentos fundamentais nesse momento.

Entendemos, como argumentaram as estudantes de Filosofia, que paralisar não é sinônimo de parar. Estamos em paralisações para agir, inclusive fora dos muros da universidade. Os dias em que ficamos sem aulas são um momento de intenso aprendizado, em que buscamos interpretar coletivamente a realidade a nossa volta e pensamos como intervir nela. 

No fim, não é por outro motivo que a universidade é mantida pelo conjunto da sociedade. Ela forma profissionais, também, mas tem uma tarefa muito maior, que é mobilizar ensino, pesquisa e extensão para compreender os principais dilemas da sociedade e sugerir caminhos. Na encruzilhada em que nos encontramos, entre a luta social ou a barbárie, o papel social das estudantes e da própria universidade é tomar posição!

Nossa ação será atacada por nossos adversários seja ela qual for – e não podemos acreditar que nosso silêncio trará qualquer tipo de conquista. Se temos uma universidade pública hoje, é porque ousamos enfrentar os interesses de mercado, mesmo contra a crítica das elites ou a repressão política. Nesse momento de levante da extrema-direita, não podemos achar que passaremos despercebidas. O projeto de educação deles já está definido e muito bem divulgado: pretendem privatizar toda a educação pública, impedir a organização sindical e vetar qualquer tipo de ensino, pesquisa e extensão de caráter transformador ou vinculados aos movimentos sociais. Do nosso lado, só podemos escolher se haverá resistência a eles ou não.

No limite, a única garantia real de que impediremos a privatização de nossos bens comuns – ou de que manteremos nossas liberdades políticas frente ao avanço autoritário – é nossa capacidade de organizar uma greve geral no momento necessário. Aquilo que fazemos hoje é tanto uma demonstração de força, quanto um acúmulo para a próxima etapa da luta. Após um ano sem grandes mobilizações na Universidade, muitas estudantes participaram de sua primeira assembleia nessa última semana e se tornaram companheiras, ombro a ombro na resistência. Nosso aprendizado coletivo é que dirá se teremos capacidade de responder ao que o momento histórico exigir.

#EleNão!
PARA DERROTAR A EXTREMA-DIREITA, ORGANIZAÇÃO E LUTA!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé
Florianópolis, 21 de outubro de 2018

 

Eleitores do Bolsonaro agridem uma estudante da UFSC

Na última quinta-feira, dia 11 de outubro, uma de nossas militantes foi agredida por dois eleitores de Bolsonaro nas proximidades da UFSC. Ela pedia carona na entrada do Córrego Grande, na esquina do Restaurante Dona Benta, onde entrou no carro (Corsa prata, placa não identificada) e seguiu no sentido Lagoa da Conceição, por volta das 18h40. Eram dois jovens brancos, ambos com aproximadamente 27 anos de idade, por volta de 1,75 e barba comprida com cabelos escuros, estilo coque samurai

Depois de rodarem alguns minutos, os agressores perguntaram se ela havia votado no Bolsonaro. Ao dizer que não havia votado e que não concorda com o que o candidato representa, eles a xingaram com violência, inclusive enquanto ela afirmava que também não votava no PT. Após isso, eles a arremessaram com violência para fora do carro, nesse momento parado, fazendo com que o impacto rasgasse sua calça na região dos joelhos e machucasse essa região, assim como as mãos.

Sabemos que, assim como dezenas de outras histórias de violência realizadas por defensores de Bolsonaro, essa pode ser respondida com descrédito e informações falsas. Essa ação sistemática de negação serve apenas para aqueles que não querem acreditar ou admitir a violência legitimada pelos discursos desse candidato. A verdade é que os discursos de sua campanha estimulam o ódio e o extermínio.

Iniciativas de mapeamento da violência dos eleitores de Bolsonaro indicam dezenas de casos por todo o país (aqui, aqui, aqui e aqui), como o assassinato do Mestre Moa do Katendê na primeira noite pós primeiro turno, representante da cultura negra e popular do país. Muitas e muitos de nós já acompanhamos de perto essa violência, que vem atingindo pessoas próximas a nós.

Chamamos todas e todos para terem cuidado. Militantes de esquerda, feministas, todas as pessoas LGBTI+, todo o povo negro, indígena, imigrantes ou qualquer pessoa que se oponha a Bolsonaro. Porém, mais do que cuidado, recomendamos força. Precisamos construir redes de apoio e grupos para práticas de autodefesa, nos mantendo de pé a partir da coletividade. Não iremos nos calar e nem vamos nos esconder! Cada ameaça e cada violência da extrema-direita será respondida com mais disposição para a luta, mais vontade de tomar as ruas, mais dedicação para a organização popular.

#EleNão!

PARA DERROTAR A EXTREMA-DIREITA, ORGANIZAÇÃO E LUTA!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé,
Florianópolis, 14 de outubro de 2018.

As eleições para a Reitoria e a disputa pela autonomia universitária

A consulta à comunidade universitária para a eleição de um novo reitor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) não é uma consequência imediata ou automática da vacância do cargo após os eventos de 2017: ela só está ocorrendo por conta da pressão exercida através da Comissão Unificada de Mobilização, que fez vigílias contra a perspectiva de que o Conselho Universitário poderia nomear um novo reitor de forma autocrática. Agora, consideramos fundamental interpretar alguns elementos do momento político, discutir o significado da autonomia universitária, caracterizar as chapas em disputa pela Reitoria e expressar nossa postura frente à eleição e à futura Reitoria.

A autonomia universitária

A questão da autonomia é tema central na UFSC neste momento, especialmente em decorrência do abuso de poder do Estado que a intervenção da Polícia Federal e do Judiciário na gestão universitária representam. Poucos meses depois destes acontecimentos em nossa universidade, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também foi alvo de uma operação coercitiva da Polícia Federal que tomou ares de condenação na grande mídia, mesmo quando as investigações ainda estavam no início, ocorrendo em sigilo. A atual situação da Universidade Federal do ABC (UFABC) é outro elemento para o debate sobre autonomia, uma vez que esta universidade passou pelo processo de escolha de seus dirigentes há meses, mas não houve nomeação pelo Ministério da Educação do reitor eleito, o que motivou um indicativo de greve docente.

Esse não é um tema novo, pois nos remete à memória de resistência às intervenções autoritárias do Estado e das polícias nas universidades durante a ditadura civil-militar, período de grande protagonismo estudantil. Hoje, no entanto, o termo parece ter se tornado um grande jargão usado para defender interesses diversos. Embora a Constituição assegure às universidades autonomia didático-científica, administrativa, e de gestão financeira e patrimonial, diferentes maneiras de interpretar e efetivar essa autonomia da Universidade frente ao Estado e ao mercado possibilitam que cada campo político utilize o termo para defender projetos bastante diferentes de Universidade. 

A gestão Cancellier, por exemplo, usou de sua autonomia para realizar parcerias entre a Universidade e o governo de Israel, abrindo espaço para que o país oferecesse aulas e cursos aqui, bem como para defender parcerias privadas com empresas israelenses. De nada serve autonomia para aliar-se a Estados genocidas sem qualquer princípio de democracia interna, já que a proposta não foi debatida pela comunidade, ainda mais quando isso ainda representa uma submissão a interesses de mercado. Poderíamos fazer comentários similares a respeito de como as gestões Cancellier e Ubaldo decidiram permitir o uso de áreas da UFSC para treinamento militar ou como consideraram que a alocação de laboratórios e campi dentro de condomínios empresariais representavam um novo modelo institucional. A “autonomia universitária” por si só, portanto, não é garantia de uma universidade mais democrática ou popular.

Na UFSC, os órgãos deliberativos Conselho de Curadores e Conselho Universitário (CUn) são espaços-chave para exercer a autonomia financeira e administrativa. No entanto, predominam neles os professores, que compõem numericamente a menor categoria em comparação com o corpo discente e de servidores técnico-administrativos da instituição, enquanto a comunidade externa não tem praticamente espaço algum. Além de lutar por mais democracia interna, precisamos avançar o debate para o controle social da universidade, isto é, a capacidade da comunidade externa, do povo que vive nos bairros do entorno, da classe trabalhadora da região e dos movimentos sociais de nosso Estado influenciarem os rumos da instituição. A participação da comunidade nestas e em outras instâncias universitárias pode ser um caminho para o controle social, como por exemplo na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que surgiu a partir de demandas populares e atualmente conta com a participação da comunidade externa em seus processos decisórios, incluindo as eleições para a Reitoria. 

Discutir a autonomia da universidade é particularmente relevante neste período de desmonte das universidades públicas, em meio a um avanço autoritário do Estado e às iniciativas privatistas. Isso envolve exigir os recursos necessários para nosso funcionamento, sem rabo preso na cobrança ao governo, mas também a autonomia na proposta político-pedagógica, de forma a direcionar nossa formação, nossa extensão e nossas pesquisas para rumos que não sejam determinados pelas necessidades do mercado, nem mesmo por certos projetos de Estado, quando sabemos que essa é uma estrutura de poder das classes dominantes. Mesmo as ações em que temos alguns avanços, como o aumento das vagas no ensino superior público ou as ações afirmativas para ingresso, são conquistas arrancadas do Estado pela luta popular.

A partir dessa interpretação da autonomia universitária, passamos a analisar as candidaturas nas eleições à reitoria de 2018.

Os candidatos e seus campos políticos

Os candidatos à consulta pública para a Reitoria da UFSC no segundo turno são o atual reitor pro tempore, Ubaldo Cesar Balthazar, e o diretor do Centro Sócio-Econômico (CSE), Irineu Manoel de Souza. Ambos posicionam-se a favor de uma universidade autônoma, mas cada um entende o termo à sua própria maneira: 

A candidatura de Ubaldo dá continuidade à última gestão (o mote “A UFSC pode mais” é o mesmo utilizado na campanha de 2015 de Cancellier) e se propõe a devolver a universidade ao “equilíbrio”, uma alternativa de ajuste e acomodação ao cenário político de fortes retrocessos que vivemos. Enquanto reitor, Ubaldo se posiciona no máximo de forma tímida frente aos ataques do Governo Federal, quando pressionado. Em sua gestão, saudou a iniciativa privada dentro da universidade ao colaborar com a instalação do campus Joinville em um condomínio industrial privado, declarando sua satisfação com a criação de “um celeiro de oportunidades, com indústria e centenas de jovens estudantes prontos a responder às questões apontadas pelo mercado. Mesmo durante a campanha eleitoral, recusou a participação no debate organizado pela entidades estudantis e não respondeu à Carta de Reivindicações da Associação de Pós-Graduandos (APG). Nas últimas semanas, sua gestão descumpriu todas as promessas feitas relativas à situação da Moradia Estudantil na UFSC, onde sua gestão manteve o legado recebido de inexplicáveis vagas ociosas, infestação de ratos, vazamentos e goteiras. Acreditamos que isso demonstra uma forte tendência a uma gestão incapaz de ouvir estudantes, em particular as demandas por permanência, mas que está predisposta a agradar o Governo Federal e estimular o caminho de submissão de nossa instituição aos interesses de uma minoria.

Quanto à candidatura de Irineu, identificamos pontos positivos em seu programa de chapa como a centralidade nas pautas por permanência estudantil, defendendo avanços em temas fundamentais como Restaurante Universitário, Moradia Estudantil, Ações Afirmativas e as festas. Posiciona-se contra a presença da Polícia Militar nos campi, defendendo o reestabelecimento do cargo de segurança institucional para as Universidades Federais, e tem demonstrado capacidade de se posicionar de forma crítica às políticas do Governo Federal, às parcerias público-privadas e às Fundações de Apoio, outra porta de entrada do interesse privado nas universidades. Desde o início do debate sobre a EBSERH, foi uma voz contrária à adesão do Hospital Universitário à empresa pública de direito privado – após mais de um ano de funcionamento pela EBSERH, o HU apresenta graves problemas de falta de contratações e está esporadicamente com sua emergência fechada. Cabe ressaltar, por fim, sua postura aberta de apoio à redução da jornada de trabalho de servidores técnico-administrativos e ao aumento de sua representação nas instâncias da Universidade.

Nossa posição frente à disputa

A Coletiva Centospé acredita em um projeto de Universidade radicalmente diferente do atual, que seja voltado diretamente às necessidades populares e à transformação da sociedade. Acreditamos que é papel do movimento estudantil construir uma força social e política autônoma, capaz de avançar neste objetivo estratégico sem abrir mão de princípios, sem ceder nossas forças, nem submeter os interesses estudantis e populares à conciliação com nossos inimigos de classe.

Nesta quarta, votaremos no candidato Irineu (80) e convidamos a comunidade universitária a votar junto a nós, pelas diferenças expostas em seus projetos de Universidade e pela perspectiva de um outro patamar de disputa de nossas demandas frente à futura Reitoria. Independente de quem levar a eleição, seguiremos como oposição de esquerda dentro do movimento estudantil e dos espaços de construção coletiva das categorias na UFSC, pois qualquer vitória concreta só pode ser consequência de organização e luta independente, capaz de alterar a correlação de forças e arrancar conquistas.

Mais fortes são os poderes do povo!

Coletiva Centospé,

09 de abril de 2018

As lutas da pós-graduação na UFSC e o papel da APG

A Associação de Pós-Graduandos da UFSC é a entidade que representa e mobiliza estudantes de pós em todos os campi da UFSC, nas modalidades residência, especialização, mestrado acadêmico, mestrado profissionalizante e doutorado. Em 2016, éramos mais de 14 mil estudantes, dos quais cerca de 7 mil são de mestrado e doutorado acadêmico. Neste momento, a entidade está em processo eleitoral, em que concorre apenas a chapa “Quem tem coragem!“, que estamos construindo junto a outras estudantes de correntes de esquerda ou independentes.

No dia 16 de outubro, o jornal UFSC à Esquerda publicou um texto discutindo a importância da unidade nas lutas nesse período que vivemos e sugerindo que, por isso, a pós-graduação poderia estar dentro do DCE ao invés de organizada na APG. Nós, da Coletiva Centospé, gostaríamos de discutir essa proposta mais a fundo, apontar motivos para manter a APG enquanto entidade e, mais especificamente, explicar por que decidimos construir a chapa “Quem tem coragem!”.

Unidade sem luta, luta sem unidade

É verdade que a separação das entidades estudantis não é a única forma possível de organização estudantil, nem que será necessariamente a melhor opção em qualquer momento histórico. No aniversário de 100 anos da Greve Geral de 1917, lembramos das propostas do Sindicalismo Revolucionário, que estimulou a fundação de muitos de nossos primeiros sindicatos e foi responsável por muitas das maiores conquistas de nossa classe: antes do atrelamento dos sindicatos ao Estado, muitos deles foram ferramentas de luta que não eram restritas a uma única categoria. Com isso, promoviam a consciência e solidariedade de classe, inclusive realizando greves solidárias às reivindicações de outras categorias. Com isso, o Sindicalismo Revolucionário apontava para um método comum de luta, através da Greve Geral, e um horizonte de conquistas que contemplasse todas e todos os trabalhadores.

Também é verdade que estudantes de pós-graduação estão na mesma categoria que estudantes de graduação, embora muitas vezes não se reconheçam na luta do movimento estudantil. Porém, a questão é como superar essa situação e construir um movimento forte na pós, capaz de somar forças às demais lutas da Universidade. A realidade que enfrentamos como estudantes de pós envolve várias especificidades.

A forte pressão produtivista e a natureza da relação de orientação possibilitam formas muito próprias de assédio moral e sexual, estresse ou exaustão. Os dados sobre assédio e saúde mental na pós-graduação brasileira demonstram uma verdadeira epidemia. Ao contrário da graduação, geralmente não mantemos uma relação próxima com nossa turma de ingresso, particularmente após o primeiro ano de curso, e a realidade de uma ampla parcela de estudantes vindas de outras cidades conforma uma situação de grande isolamento: dentro do núcleo/laboratório ou mesmo na solidão junto a livros, artigos e computador.

As bolsas atuais, cujo valor não é diretamente vinculado às bolsas da graduação, são indignas para quem já dedicou vários anos aos estudos, na maioria dos casos trabalhou fora da Universidade e precisa, muitas vezes, sustentar uma família – o que certamente acontece na graduação também, mas não na mesma proporção. Com isso, a luta por bolsas se une à luta contra o desemprego ou a precarização de sub-empregos que acumulamos junto aos auxílios da CNPq e CAPES. Na prática, o trabalho científico no Brasil não é tratado como emprego, pois é feito majoritariamente por bolsistas – quando não é sustentado pelas famílias de quem pode pagar. Somos trabalhadoras e trabalhadores da produção de conhecimento, mas não temos direitos trabalhistas ou previdenciários básicos e recebemos muito menos do que nossos pares em outras profissões.

O tempo que estudantes de pós-graduação passam na Universidade – 2 anos no Mestrado, 4 anos no Doutorado, mas muitas vezes afastado em parte desse período – sugere outra dinâmica de organização, assim como o nível de exigências e tarefas acumuladas pelos motivos citados acima. Não é plausível, portanto, esperar o mesmo ritmo de militância que é comum na graduação, onde chegamos a realizar várias reuniões por semana. Atrasar disciplinas ou se organizar para ter “semestres mais leves” simplesmente não acontece.

Hoje a luta na pós-graduação é tocada principalmente por quem já participou do movimento estudantil na graduação e, muitas vezes, por quem ainda mantém vínculo e relação política com a luta de outras categorias da Universidade. Se, por um lado, este perfil é de um sujeito com experiência e compromisso, também é um perfil minoritário entre nossa categoria.

Se ainda não aproximamos setores mais amplos da pós-graduação nem temos uma cultura de luta bem consolidada, precisamos cultivá-la a partir do trabalho de base em cima das nossas demandas mais urgentes. Isso exige construir identidade com tantas e tantos estudantes que vivem as situações descritas acima e dedicar nosso tempo nessas lutas. Frente a essa situação, avaliamos que apenas somar nosso processo de organização ao DCE reforçaria muitas das dificuldades encontradas hoje para mobilizar a pós, pela diferença de pautas, pelo ritmo próprio e principalmente pela falta de identidade.

Não defendemos, com isso, que a unidade é indesejável, nem que o projeto de Universidade desenvolvido na luta da pós seja necessariamente distinto daquele construído entre as demais lutas sindicais ou estudantis da UFSC. O que apontamos como tarefa para o momento atual é mobilizar a partir das pautas mais imediatas e urgentes de nossa categoria como condição para criar cultura de luta, reforçar contatos, formar um caldo. A tarefa da militância é fazer a relação entre o imediato e o geral, entre as necessidades básicas que podem movimentar esse sujeito e o projeto mais amplo de Universidade, que disputaremos necessariamente junto às outras categorias. Ou seja, é nosso compromisso interpretar nossas lutas dentro de uma estratégia mais ampla e coletiva.

Confiamos menos na estratégia inversa, onde primeiro se estabelece a unidade por cima, para depois tentar mobilizar. É o processo concreto de reivindicações que demonstra da melhor forma a necessidade fundamental da articulação entre todos os setores de luta na Universidade. A partir do foco nas questões específicas de estudantes da pós, nossa mobilização pode inclusive avançar nas propostas e programas específicos de nossa realidade, dando uma contribuição mais sólida para o projeto de Universidade que precisamos construir enquanto setores oprimidos – estudantes secundaristas, de graduação, de pós-graduação, trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas, servidoras e servidores técnicos e docentes, comunidades do entorno da Universidade e movimentos sociais da região.

APG para quê?

Até agora, defendemos a existência da APG enquanto entidade na presente conjuntura. Mas por que assumimos a tarefa de participar de uma chapa e fazer parte da gestão da entidade? O que esperamos que ela faça? Não podemos lutar da mesma forma sem a entidade?

Entendemos que é momento de reforçar as campanhas em defesa das Ações Afirmativas nos programas de pós-graduação, onde as políticas que buscam democratizar o acesso para estudantes negras e negros, indígenas e pobres ainda não chegaram ou tiveram pouco efeito. No entanto, alguns Programas pelo país já implementaram essas ações afirmativas, inclusive na UFSC, e vários outros estão no processo de reivindicação por elas, o que demonstra que é hora de avançar. Sem esses sujeitos em peso na pós, continuaremos com o perfil de quase totalidade de docentes brancas e brancos nas Universidades e não haverá produção de conhecimento verdadeiramente crítico e a serviço do povo.

Fora essa pauta que representaria uma nova conquista, estamos em uma conjuntura de resistência, de luta contra os retrocessos. Isso significa enfrentar os avanços do capital privado na Universidade, das parcerias público-privadas, convênios e também as medidas que anunciam a derrota do princípio de Universidade pública, como as cobranças nas pós-graduações. Temos necessárias lutas contra o produtivismo, assédios, na demanda por políticas de saúde mental, em defesa das bolsas, das políticas de permanência, enfim, tudo que aprovamos no programa de chapa. Fora isso, se queremos lutar pela produção de conhecimento a partir das necessidades populares, precisamos ser também um ponto de apoio aos movimentos sociais e comunidades que estão fora da Universidade, trazer suas demandas e projetos para dentro da instituição.

A direção da entidade não vai alcançar essas conquistas. Elas dependem de força social e disputa. Só a mobilização ampla da nossa categoria e a articulação com outros setores pode alcançá-las. É uma tarefa que envolve o conjunto de estudantes, mas que a entidade pode ajudar a mobilizar. Dentro do nosso contexto imediato, poucos programas de pós realizam suas assembleias ou se organizam além da escolha da representação discente. Foi a entidade que mobilizou as principais ações no último período, é ela que tem espaço de representação frente à instituição e que tem maior legitimidade e capacidade para fazer trabalho de base e puxar novas campanhas.

Nessa terça-feira (31) é a votação para a chapa “Quem tem coragem!”, através do site https://capg.ufsc.br. Embora sejamos chapa única, a declaração de apoio à chapa e a votação na terça-feira são importantes demonstrações de apoio para esse programa. Em tempos de retrocessos políticos, em que vemos a organização de setores conservadores e de extrema-direita na Universidade, é fundamental somar forças em um projeto popular, crítico e transformador. Quem tem coragem?

Vote “Quem tem coragem!”: https://www.facebook.com/events/150020025611411/

 

Sobre as eleições para o DCE UFSC

A votação para a direção do Diretório Central de Estudantes da UFSC ocorre nessa semana, nos dias 27 e 28 de setembro. Apresentamos aqui uma análise das forças em jogo nas eleições, uma crítica de práticas presentes entre os grupos de esquerda no movimento estudantil, nossa posição para as votações e algumas prioridades para as lutas no próximo período.

Quem são as chapas?

Temos quatro chapas disputando as eleições. A Chapa 1 “Ainda há tempo” inclui vários grupos de esquerda com posição crítica ao campo petista, como Juventude Comunista Avançando, União da Juventude Comunista, MAIS, Brigadas Populares, Alicerce, além de pessoas independentes. A Chapa 2 “Um novo enredo” reúne os setores que fizeram sustentação para as políticas do PT, como a Juventude Revolução, a União da Juventude Socialista, Juventude do PT e PDT. Essa agrupação inclui setores da centro-esquerda e também grupos que atuaram lado a lado com a direita, compartilhando seus métodos e pautas, como a UJS que esteve construindo o DCE até a última gestão. Precisamos apontar que a Chapa 2 se apropria da estética dos zapatistas, uma força política indígena revolucionária baseada em princípios de autonomia, autogestão e crítica ao Estado, propostas opostas aos grupos que constroem essa chapa. A Chapa 3 “Chapa Zero”, é fruto do grupo de mesmo nome impugnado ano passado pelas ameaças explícitas de violência machista e contra pessoas da esquerda em geral. Esse grupo, que se articula em grupos da internet com argumentos “anti-política”, tem entre seus membros pessoas com histórico de posições racistas, misóginas e abertamente fascistas que precisam ser repudiadas por todas e todos. Por último, a Chapa 4 “Pense diferente” é a continuidade do grupo de direita que estava na direção do DCE e foi completamente ausente na defesa dos direitos estudantis, resumindo sua atuação praticamente à venda de carteirinhas, blidangem da Reitoria e promoção de convênios com grupos privados.

Importante apontar que não concordamos com a caracterização de que a chapa 1 representa uma proposta de unidade da esquerda. Vários setores de esquerda que estiveram na linha de frente das lutas do último ano não estão construindo essa chapa, como muitas militantes no movimento negro, indígena, de estudantes mães e pais, da luta por permanência, além de grupos como o PSTU, a RECC, o jornal UFSC à Esquerda ou nós da Coletiva Centospé. A resistência na UFSC é muito mais ampla do que a disputa pela direção do DCE.

Construção cotidiana ou disputa por direções?

Em um contexto de graves ataques às classes oprimidas, a mobilização de tempo, esforço e dinheiro que são gastos com as eleições para o DCE apontam para um interesse maior em alcançar postos de direção, conquistar referência política e falar em nome das estudantes, do que em avançar as lutas. São escolhas que não combinam com uma atuação pela base, que acredita no poder da mobilização estudantil e na ação direta para alcançar vitórias.

Nesse sentido, fazemos algumas perguntas: onde estava todo esse esforço de imprimir materiais, fazer passagens em sala, pintar faixas, organizar festas, saraus e dedicar horas e horas em reuniões de debate político até o mês passado? Onde estava essa disposição na construção das Greves Gerais? Onde estava essa disposição quando aumentou o valor do RU para as tercerizadas da UFSC? Quando as festas foram proibidas na Universidade? Quando a Reitoria decidiu levar a UFSC Joinville para dentro de um business park privado? Quando ela firmou acordos com o Governo genocida de Israel? Quando o Conselho Universitário passou sérios retrocessos nas políticas de Ações Afirmativas no vestibular 2018?

No período que antecede as eleições para o DCE, ocorre uma “caça eleitoral por pautas”, em que as chapas correm atrás de saber quais as demandas de estudantes indígenas, da licenciatura do campo, de estudantes surdos, estudantes mães e pais, grupos de extensão popular, dos campi do interior, entre outros setores, para tentar representar essas bandeiras. Até que ponto essas chapas podem se apresentar como comprometidas, se não conhecem o cotidiano dessas reivindicações e muitas vezes não se fizeram presentes nos momentos de luta?

Rebaixamento das pautas

Muitas companheiras justificam o esforço prioritário nos períodos eleitorais com o argumento de que é um momento fundamental de fazer debate político na Universidade e fazer trabalho de base a partir das propostas de chapa.

Para nós, a disputa pelo sentido da Universidade exige posicionamento em todos os momentos sobre questões como: a defesa da não-entrada da Polícia Militar no campus e o fim da Polícia Militar em toda a sociedade, por seu histórico de atuação racista e genocida; a luta contra os interesses de mercado representados pelas fundações de direito privado na Universidade; a luta contra as formas de empresariamento representadas pelas Empresas Júnior; a defesa de uma interpretação popular da extensão, vinculada necessariamente às necessidades de movimentos sociais e grupos marginalizados; a defesa da paridade nas instâncias de decisão da UFSC e o voto universal nas eleições; a defesa do fim do vestibular e o direito ao acesso universal na educação superior; enquanto ainda há vestibular, a defesa de cotas sociais em, no mínimo, 85% das vagas, conforme a proporção da juventude que está na educação pública; a defesa de ampliação das políticas de ações afirmativas para estudantes negras e indígenas em todos os níveis; a atuação do DCE em articulação direta com os movimentos sociais e populares da cidade, defendendo seus interesses na disputa pela Universidade.

Infelizmente, muitas dessas bandeiras são ignoradas nessa época do ano por medo de perder votos. Se esse cálculo eleitoral determina nossas propostas, tem como dizer que estamos aproveitando o momento para defender nossas pautas na base? Historicamente, foi o movimento estudantil que trouxe essas bandeiras para debate. Não achamos que vale a pena ganhar qualquer entidade sem levar nossas propostas junto.

Disputa da UNE e UCE

Olhamos com sensação de retrocesso coletivo, de derrota estratégica para o campo da esquerda, quando vários grupos do movimento estudantil voltam a tentar disputar a União Nacional de Estudantes (UNE), assim como a União Catarinense de Estudantes (UCE). Isso é, inclusive, uma proposta do programa das Chapas 1 e 2 para o DCE. A UNE atuou por mais de 10 anos como um braço estudantil das políticas petistas de conciliação de classes, além de ter sido um verdadeiro freio de mão em várias das principais lutas desse período. Para citar dois exemplos drásticos recentes, a UNE levou estudantes para trabalhar de graça para a Copa do Mundo de 2014, que desalojou milhares de pessoas e beneficiou as grandes empreiteiras; assim como tirou fotos abraçadas com inimigos do povo como a ruralista Kátia Abreu.

As ocupações das escolas e Universidades nos últimos dois anos estão entre os pontos altos da história do movimento estudantil no Brasil. Essas lutas massivas passaram por fora das entidades nacionais, como a UNE e ANEL, sendo inclusive de oposição a elas em várias situações. Quando essas entidades tentaram aparelhar as ocupações e falar em nome das estudantes, foram expulsas de diversas escolas e espaços de organização do movimento.

A tentativa (fracassada) de disputar a UNE, contra a direção atual da UJS, só contribui para legitimar a entidade como espaço representativo do movimento estudantil e de sua história: quanto mais setores estudantis disputando a UNE, maior a importância ela parece possuir na construção de nossas pautas e estratégias. A reconstrução do movimento estudantil em âmbito nacional só pode acontecer a partir dos processos de luta, desde baixo, não através da disputa dessa entidade.

Para além das urnas

Pelos motivos elencados acima, não compusemos nenhuma chapa, não faremos campanha, não estaremos em nenhuma gestão do DCE no próximo ano, mas votaremos na Chapa 1, “Ainda há tempo”. Entendemos que, dentro dessa chapa, há setores com disposição para defender a Universidade Pública e não utilizar do DCE para fins de interesses do mercado, conchavos com a Reitoria ou para a defesa eleitoral do PT e de suas propostas de aliança com o capital privado na educação.

Independente de quem ganhar as eleições, continuaremos lutando desde a base: nas salas de aula, assembleias, comitês de luta, Centros Acadêmicos, grupos de extensão popular e nas ruas. Um povo forte não se constroi através da conquista da direção das entidades representativas. É a ampliação das mobilizações e o avanço de radicalidade que pode mudar a correlação de forças que estamos vivendo e resistir contra os ataques que sofremos. Compartilhamos das ideias zapatistas para construir autogestão, autonomia, dignidade e alegre rebeldia!

Desde baixo e à esquerda!
Mais fortes são os poderes do povo!

Coletiva Centospé
Setembro de 2017