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A UFSC decidiu acender o pavio da revolta: nossa luta vai criar um mundo novo

o que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será

A luta em defesa da universidade pública, contra os cortes de verba e a privatização viveu momentos agudos nas últimas duas semanas na UFSC. O impacto dos ataques orçamentários de Bolsonaro foram sentidos na pele com a demissão de, no mínimo, 95 trabalhadoras terceirizadas, a queda da qualidade no Restaurante Universitário e o aumento dos roubos ao patrimônio nos campi. Além disso, foram anunciados o fim da SEPEX, maior evento de extensão da universidade, o corte de diversas bolsas e a data de fechamento do RU. Essas notícias culminaram com o final da fase de discussão universitária sobre o Programa Future-se, tornando explícito o que sempre denunciamos – o sucateamento e a privatização são duas facetas do mesmo movimento por parte do governo e do grande empresariado.

Na segunda-feira (02/09), a luta estudantil e sindical mobilizou a maior assembleia da história da UFSC, com a presença de cerca de cinco mil pessoas. A discussão, que tinha como previsão o foco no Programa Future-se, se tornou uma gigantesca plenária de luta que aprovou massivamente a proposta de Greve Nacional da Educação, o apoio à Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que sofre intervenção do Governo Bolsonaro, a suspensão do vestibular enquanto o governo não devolver as verbas e a rejeição total ao Future-se. Na terça, o Conselho Universitário reuniu novamente milhares de pessoas e decidiu, quase de forma unânime, pela rejeição integral ao Future-se. Nesta mesma semana, dezenas de assembleias estudantis aconteceram nos cursos, atingindo a marca de mais de 20 cursos em greve e mais dezenas em estado de greve para a semana seguinte.

A mobilização cresce de forma explosiva e tudo indica a consolidação, em Assembleia Geral Estudantil na próxima terça (10/09), da tática da greve como meio de defender a universidade de seu fechamento total ainda neste ano, pela asfixia orçamentária.

Por que a luta vingou aqui e agora

Na análise que fizemos logo antes do 15 de maio¹, já apontávamos que se iniciava um novo ciclo de lutas estudantis construídas desde a base. A percepção da seriedade dos ataques e da necessidade de articular uma resposta nas ruas resultou, no semestre passado, na primeira onda de dezenas de assembleias de curso e de organização para o enfrentamento. Embora muito tenha sido falado sobre o desânimo coletivo que vivemos frente à enxurrada de retrocessos, a verdade é que houve muita disposição para construir os atos e greves dos dias 15/05, 30/05, 14/06 e 13/08, um processo que nos traz ao atual levante – e as lutas nas próximas semanas prometem elevar ainda mais a combatividade.

É verdade que a luta estudantil em Florianópolis foi, este ano, mais expressiva do que na maioria das grandes cidades do país. Isso acontece por vários fatores, como a alta proporção da cidade que tem vínculos diretos com a UFSC – uma comunidade universitária de mais de 30 mil pessoas em uma cidade com menos de 500 mil – e o papel histórico das estudantes nas grandes lutas da cidade. Contribui também uma presença relativamente maior de setores mais à esquerda nas ruas e na organização dos atos, incluindo muita militância independente, bem como libertários e marxistas – desde o primeiro ato, houve muito mais palavras de ordem contra a Reforma da Previdência e contra os cortes do que pautas eleitorais, como o Lula Livre, que roubam a cena das reivindicações materiais e ainda afastam setores da população que estão cansados da política partidária.

No contexto interno da UFSC, a mobilização contra o Future-se começou no meio do recesso de julho e conseguiu ganhar força ao longo do primeiro mês de aulas, sem desanimar, principalmente pela ação do Movimento UFSC Contra o Future-se e a ação de algumas entidades, como a Associação de Pós-Graduandos e alguns Centros Acadêmicos, que por fim levaram de arrasto o Diretório Central dos Estudantes e as organizações estudantis vinculadas a ele. Consideramos esse espaço vitorioso em agitar a forte mobilização do atual momento, mas insuficiente para a articulação e coordenação da nossa greve, tarefa que só pode ser feita junto à representação coletiva de cada curso e categoria, tirada em assembleias e reuniões de base, bem como de estudantes em seus centros acadêmicos, trabalhadoras em seus sindicatos, organizações políticas, coletivos, etc.

A existência de organizações políticas e entidades estudantis que atuam às vezes como donos, às vezes como freio das lutas, não pode nos levar a recusar a tarefa de construir entidades de massa e organizações políticas que estejam à altura das tarefas a que estamos sujeitos. É só através do aumento da organização que se constrói um povo forte, capaz de traçar um horizonte e uma estratégia radical de fato.

Uma greve que se alastra e incendeia a indignação do conjunto do povo

Greve ou indicativo de greve foi uma escolha quase unânime nas assembleias estudantis da última semana. No entanto, as categorias de servidoras técnicas e docentes ainda não esboçaram uma resposta à altura, como fizeram em outros momentos de ameaças à universidade pública, como na proposta de reforma universitária do governo FHC na década de 1990. Enquanto trabalhadoras terceirizadas estão sendo jogadas na rua, a categoria estudantil mostra, mais uma vez, que é dela que costuma partir a radicalidade das principais lutas no campo da educação, como aconteceu nas ocupações de escolas e universidades de 2015 e 2016.

Ao mesmo tempo, não haverá uma forte Greve Nacional da Educação se não formos capazes, antes, de estimular uma greve de TAEs (trabalhadoras técnico-administrativos em educação) e docentes na UFSC. Muitas das trabalhadoras com vontade de lutar ainda avaliam que a UFSC é incapaz de ser a ponta de lança da greve em âmbito nacional e, por isso, apostam na espera. Isso exigirá de nós um trabalho insistente de panfletagens, batucaços, piquetes e ornamentação de cada sala de aula e corredor falando sobre nossa greve. Além das assembleias e reuniões, será no diálogo solidário em cada sala de trabalho que faremos esse debate. Mostraremos que nossa escolha está feita e não há como retroceder – escolhemos lutar agora e escolhemos lutar para vencer!

O Governo Bolsonaro é a versão extrema do projeto neoliberal de destruição de direitos e aumento da repressão. Após os últimos nove meses que radicalizaram fortemente o projeto já executado pelos últimos governos, o povo brasileiro acumula uma grande indignação com a situação social, o alto desemprego e a forte precarização, a destruição da Amazônia, o fim da aposentadoria, a violência e genocídio policial, a venda de todo o patrimônio brasileiro.

No contexto universitário, vemos a tentativa de um ataque fatal à produção de conhecimento, uma intenção explícita e ideológica de Bolsonaro em silenciar as universidades que se opuseram a ele – intenção que não escandaliza os aliados de Bolsonaro representantes do mercado, cujo projeto para o Brasil não precisa de produção científica própria, já que é de total subalternidade, exportando bens primários. Isso expõe, de forma escancarada, o quão inviável é a possibilidade de negociação com este governo. Nossa luta só será vitoriosa com a superação de todo o seu projeto.

A aposta que fazemos pela greve, neste sentido, só será bem sucedida se ajudar a instigar uma greve nacional da educação e, indo ainda mais longe, se vincular a outras greves e ações radicais de contestação. Isso exigirá articulação de nossas entidades de luta, mas também a invenção de novos laços entre a luta universitária e as demandas urgentes das comunidades populares.

A luta na UFSC repercute em toda a cidade de Florianópolis, já que muitas estudantes, de pós e de graduação, trabalham ou fazem estágios nos serviços públicos, em especial na saúde e na educação. O fechamento da universidade e a perda de bolsas por pós-graduandas residentes em saúde, por exemplo, prejudica não somente estas, mas toda a parcela da população que é atendida pelas estudantes em centros de saúde nos bairros.

Com a greve de milhares de estudantes e trabalhadoras da UFSC, estaremos juntas das demais lutas da cidade e não apenas resistindo contra o que nos tem sido retirado. Não faz falta a propaganda contrária a esse sistema de morte e opressão que vivemos; faz falta o exemplo e a confiança da possibilidade de se levantar contra ele e vencer!

Por uma greve viva e duradoura

O longo trajeto até que nossa greve estudantil se torne uma greve de trabalhadoras da UFSC e que contagie o conjunto das universidades do país já indica, por si só, que nossa resistência precisará ser longa – a tendência é que nossa vitória não venha nas primeiras semanas. Isso significa que precisamos de um planejamento de médio prazo e uma boa avaliação de onde dedicar nossas forças, sem desperdiçá-las de antemão, nem frustrar expectativas de estudantes que participam de sua primeira mobilização. Também sabemos, desde já, que impedir as aulas não será suficiente; precisaremos de uma greve viva e ativa, uma greve-mobilização.

Greve é um momento de ativar a energia que costuma escoar pelo ralo do produtivismo acadêmico: é o momento de se concentrar na luta revolucionária e pôr em prática um método de organização transformador, baseado na autogestão, na horizontalidade, na ação direta, no apoio mútuo e na solidariedade de classe. Greve é o momento de usar o espaço em que estudamos e trabalhamos de modo criativo, rompendo burocracias e entraves institucionais. Uma greve viva é feita pela base e presencialmente, com rodízio de funções: é o momento de debater o que não dá tempo de debater porque estamos em “sala de aula”, é o momento de ressignificar as salas e os corredores, de cozinhar e construir coletivamente, de colocar em jogo nossas vidas estagnadas pela rotina de exploração e inventar atividades visando o mundo que queremos, para contrapor de fato as opressões do mundo atual.

A organização de todo esse processo exige a construção de uma Articulação de Comandos de Greve, que esteja aberta a todas as categorias em greve e que coordene as principais tarefas de mobilização, que incluem logística, comunicação, embelezamento, articulação com a comunidade externa e com outras universidades, aulas e atividades, construção de atos. Depende também da criação e bom funcionamento de um espaço de mobilização permanente na universidade, que se mantenha constantemente ativo e aberto para as demandas e disposição de quem deseja construí-la: um espaço físico para trocas, reconhecimento, produção de materiais, alimentação, reuniões e atividades. Propomos que a Reitoria, ou até mesmo o Centro de Convivência, se torne esse local comum para toda a greve – mas, por enquanto, sem funcionar como uma ocupação em que gastamos nossa energia dormindo no chão e virando a noite em vigílias de segurança.

Lutar, criar, poder popular!

O processo de luta é um processo criativo. É na luta que a gente consegue entrever a sociedade que queremos construir, porque é na luta que podemos pôr em prática o que acreditamos ser necessário fazer para que ocorra a transformação. Se acreditamos na ação direta, nossa luta deve ser feita sem esperar que supostos representantes resolvam em reuniões fechadas nossos problemas. E podemos fazer atos horizontais, sem carro de som e discursos eleitoreiros! Podemos dizer o que acreditamos com a nossa arte nos muros, em zines, performances e canções: a luta é um contexto em que nos inspiramos e nos revelamos artistas, destronando críticos de arte assim como é na luta que destronamos outras autoridades. É na luta que os sonhos se encontram com as práticas, e tanto os sonhos quanto as práticas têm muito mais chance de acontecer quando são sonhados e praticados coletivamente, de modo organizado.

Uma barricada, por exemplo, precisa de várias pessoas para ser erguida e é bom contar com os conhecimentos de engenharia e química. Além disso, é muito mais fácil construí-la cantando a canção e o convite à luta da Revolução Espanhola de 1936, “A las barricadas!”. Toda luta precisa de propaganda, portanto pode ser bom unir conhecimentos linguísticos, jornalísticos e de design. Toda luta precisa da conscientização crítica sobre a conjuntura e os condicionantes que nos impedem de decidir construir nossa própria história, portanto precisamos de educadoras, historiadoras, antropólogas e sociólogas.

A transformação social passa pela construção permanente de conhecimentos e para isso precisamos de uma universidade a serviço do povo. A luta é um processo transdisciplinar e é espaço de expressão popular, manifestando-se no potencial e no desejo de mudança e construção por parte de indivíduos criativos, que se conscientizam na luta coletiva e anunciam um novo cenário social.

RUMO À GREVE GERAL!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Dia 15 de maio marca o início de um novo ciclo de lutas pela base

Estudantes e trabalhadoras da educação por todo o país preparam um forte dia de luta em 15 de maio, data convocada para a Greve Nacional da Educação, que ganhou mais força após os violentos ataques do Governo Bolsonaro à educação pública nas últimas semanas. As mobilizações na UFSC são exemplo de que se inicia um novo momento de levante estudantil e da educação. Através da organização pela base e da ação direta podemos derrotar o projeto de desmonte da educação pública e a retirada de direitos!

O projeto neoliberal para a universidade pública

A resistência popular contra os cortes na educação e as tentativas de privatização não começam agora, nem mesmo têm início no Governo Bolsonaro. Estamos vivendo um momento específico, iniciado ainda em 2015 no Governo Dilma (PT), em que as verbas da universidade pública começam a ser diminuídas ou bloqueadas, levando à precarização e perda de direitos estudantis. É em 2015, no contexto da greve docente e de servidoras técnicas, que começa uma onda de assembleias estudantis e paralisações, contabilizando mais de 10 cursos em greve na UFSC. Desde então, a redução de investimentos na educação ano após ano é praticamente linear, um projeto de desmonte do setor público colocado em prática por Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro.

É necessário entender o significado das medidas anunciadas recentemente. O panorama desse ano começou com muita perseguição política nas escolas e universidades; ataques do governo às ciências humanas e à ciência básica; propostas de militarização das escolas ou de precarização, como o incentivo ao ensino à distância; e restrição à democracia universitária na escolha de reitores por todo o país. Agora, nesse último mês, os bloqueios de 30% das verbas de custeio e investimento nas universidades, além do corte de milhares de bolsas de pós-graduação.

Essa é a verba que paga as contas de água, luz, parte da assistência estudantil e o salário das trabalhadoras terceirizadas, incluindo a limpeza e a segurança. Isso significa que, se não pudermos derrotar esses bloqueios, certamente haverá um número de demissões significativo dessas trabalhadoras, que já são as mais precarizadas da universidade, além da sobrecarga de trabalho para as que permanecerem. Sem reverter os bloqueios, haverá também cortes em nossas políticas de assistência, como as bolsas-permanência, auxílios para estudantes mães e aumento no preço do RU. Muitas das Bolsas Permanência do MEC, que atendem estudantes indígenas e quilombolas, já foram reduzidas. Esse é o significado das últimas decisões do Governo Bolsonaro no campo da educação: demissões em massa e o impedimento de qualquer política que ajude as estudantes pobres a entrar e permanecer na UFSC, em particular estudantes negras e indígenas.

A luta da educação é também a luta da classe trabalhadora pela previdência

Em todos esses anos, houve importantes lutas do movimento estudantil e da classe trabalhadora. Realizamos o maior movimento de ocupações da história em 2016, contra a PEC do teto de gastos, a Reforma do Ensino Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Escola Sem Partido. Em 2017, dois dias de Greve Geral (28 de abril e 30 de junho), com atos massivos e trancamento de vias por todas as grandes cidades do país, foram fundamentais para impedir o avanço do projeto Escola Sem Partido e, especialmente, da Reforma da Previdência que Temer não conseguiu votar. Nos últimos anos, foram os métodos da luta e ação direta que mostraram capacidade de vencer, com estudantes e trabalhadoras juntas!

Se a reforma de Temer não aguentou a força do povo na rua, agora a Reforma da Previdência do governo Bolsonaro é tema incontornável na luta em defesa da educação e precisa, por causa disso, ser pauta em todas as nossas assembleias. Quem deixa isso nítido é o próprio Governo Federal, quando utiliza a bloqueio de verbas como uma chantagem barata para defender a reforma, alegando que o contingenciamento pode ser revertido após a destruição da previdência.

A resistência contra a reforma da previdência merece centralidade por dois motivos. O primeiro é sua capacidade de contemplar as necessidades da totalidade da classe trabalhadora, em especial as pessoas mais pobres. Para além das centenas de ataques desse governo em áreas específicas, gerando focos de resistência mais isolados, é na luta contra a reforma da previdência dos banqueiros que todo o povo pode somar forças e gerar um movimento massivo. Ao mesmo tempo, o Governo Bolsonaro tem demonstrado incapacidade em coordenar as intrigas dos diferentes setores que o apoiaram (mercado financeiro, militares, lideranças evangélicas e extrema-direita olavista), em meio ao aumento do desemprego, da brutalidade estatal e da explosão de casos de corrupção. A perspectiva de aprovar a Reforma da Previdência, sonhada pelo mercado financeiro, setores patronais e a mídia burguesa, é a cola que mantém esse governo em pé nesse momento.

Pautada no modelo de capitalização, o qual rompe com o princípio da solidariedade na atual Previdência Social, a reforma abandona as trabalhadoras mais pobres à própria sorte. No Chile, onde esse modelo foi implementado, houve até mesmo um aumento nos suicídios de idosas pobres, que passaram a receber aposentadorias insuficientes para viver com dignidade. Além disso, a Reforma da Previdência ataca as trabalhadoras da educação pública de forma tripla: com o aumento de tempo de trabalho para todo o povo; com o aumento proporcionalmente maior para as mulheres, que são maioria nas salas de aula; e com as regras mais duras especificamente na aposentadoria das professoras. Velhinhas e velhinhos enfrentando longas jornadas em salas de aulas lotadas e cada vez mais precárias. Esse é o futuro que Paulo Guedes e Bolsonaro esperam para muitas de nós!

A mobilização na UFSC

A resposta estudantil da UFSC aos últimos anúncios do MEC veio com força. Após reuniões e mesmo um ato chamado em defesa das ciências humanas, atacadas pelo Governo Federal, o bloqueio de verbas destinadas às instituições federais e o corte de bolsas agiu como um estopim. Antes da ação das principais entidades sindicais e estudantis, assembleias já foram organizadas nas bases de alguns cursos, que se proliferaram de forma explosiva pela UFSC.

De fato, a listagem de todas as assembleias e paralisações deliberadas por curso se tornou tarefa quase impossível – só segunda-feira, dia 13 de maio, foram estimadas mais de 20 assembleias e reuniões. Uma mensagem que correu os grupos de whatsapp na noite desse dia contava 45 cursos que decidiram participar da greve. A Assembleia da Pós-Graduação teve quase 400 pessoas assinando presença. Para a Assembleia da Graduação, a expectativa é de mais de mil estudantes.

A categoria de servidoras técnicas também se uniu à paralisação por deliberação em assembleia. Em meio a esse contexto, de ataques gravíssimos e de unidade de ação do movimento popular, são lamentáveis as posturas da APUFSC, um dos sindicatos docentes atuantes na UFSC. O sindicato não convocou nenhuma assembleia docente, aderiu ao dia 15 de maio com apenas 30 minutos de paralisação e ainda buscou impedir a atuação do ANDES, o outro sindicato docente que historicamente tem se dedicado às lutas na universidade. Não há dúvidas que a defesa da UFSC e da educação pública passa, nesse momento, pela superação da posição imobilista da direção da APUFSC.

A Comissão Unificada de Mobilização, com participação de entidades de base, DCE e APG, junto com professoras e servidoras técnicas da base organizou um dia de atividades que envolve a Assembleia Geral da UFSC e uma marcha conjunta da universidade até o Centro, unificada com estudantes da UDESC. O ato no Centro, junto com as trabalhadoras da educação, promete reunir dezenas de milhares de pessoas. É o dia do grito tomar as ruas!

Lutar pela base e com ação direta

Tudo indica que o dia 15 de maio será histórico. Com a mobilização dos sindicatos da educação federal, estadual e municipais, além do movimento estudantil universitário e secundarista puxando assembleias massivas por todo o país, teremos as ruas lotadas como ainda não se viu neste ano, concentrando a indignação popular contra esse governo e o projeto neoliberal em curso nos últimos anos.

Ainda assim, mesmo com centenas de milhares ou mesmo milhões na rua, não alcançaremos nossas reivindicações em apenas um dia. Será necessário avançar na organização popular e nos métodos de luta. Propomos que cada curso, centro e entidade já convoque novas assembleias para a próxima semana, com uma ampla discussão estratégica sobre como fortalecer as lutas de forma crescente até o dia 14 de junho, quando temos o chamado de Greve Geral pelas centrais sindicais. No entanto, nesse momento é fundamental manter a organização pela base e as assembleias em cada local.

A história recente nos mostra que não podemos manter nossa capacidade de convocação e articulação restrita às centrais sindicais. Em 2017, no momento de maior fortalecimento das lutas, vimos a CUT e a CTB desistirem da organização do dia 30 de junho, segunda Greve Geral daquele ano, facilitando o caminho para a Reforma Trabalhista. É apenas a mobilização nas bases que garantimos a pressão e o constrangimento contra qualquer vacilação e oportunismo nas direções, para que não entreguem a luta do povo de bandeja. É através de ocupações, greves, piquetes e barricadas que vencemos nossas últimas batalhas, é com elas que venceremos as próximas!

CONTRA OS CORTES NA EDUCAÇÃO, GREVE GERAL É A SOLUÇÃO!

Coletiva Centospé,
14 de maio de 2019.
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Como resolver os problemas de segurança pública na UFSC (e por que é tão difícil aceitar a solução)

Terminamos o ano de 2018 falando sobre segurança pública, uma polêmica tanto nas universidades quanto nos demais espaços públicos. Na UFSC, a discussão retornou com as balas de borracha e bombas de gás usadas pela Polícia Militar na noite de 1º de novembro, exatamente um dia após o Ministério Público de Santa Catarina, a PM, a Secretaria Municipal de Segurança Pública e representantes da reitoria da UFSC terem realizado uma reunião para discutir medidas de segurança na região do Campus Trindade.

Não é de hoje que as medidas e os discursos sobre segurança pública na universidade são questionáveis. Esse tema tem precisado há anos de um debate mais amplo e aprofundado dentro da UFSC e em seu entorno. No momento, sentimos que isso passa por chamar atenção para uma questão que muitas pessoas tomam por ultrapassada: o que é, afinal, segurança pública?

O senso comum não nos salvará…

Hoje o termo segurança ativa em muitas pessoas um imaginário de furtos, assaltos e todo tipo de agressão física. Pensar em segurança pública a partir desse ponto é cair numa armadilha, pois significa que estar seguro em público é vencer uma queda de braço com indivíduos armados. Há quem abandone de vez a palavra “pública” e abrace a segurança privada, vendo como única solução, portanto, que cada indivíduo possa vencer esse combate portando seu próprio armamento. E há quem, desconfortável com essa proposta, clame pela presença de policiais, supostos aliados nesses confrontos.

É esse tipo de mentalidade que faz com que muitas ironizem, por exemplo, propostas de melhoria da iluminação do campus, vendo-as como bobagens ineficientes. “O que poderia uma lâmpada num poste contra uma arma?”, perguntam-se, cientes ou não de revisões sistemáticas e recomendações governamentais que indicam que, de fato, a iluminação pode ajudar. O que escapa ao senso comum é a inegável verdade de que “ganhar” ou “perder” no momento de um crime é uma ilusão, pois quando um crime ocorre já é tarde demais para pensar em segurança – a derrota já chegou para todo mundo. É preciso pensar como evitar essa situação em primeiro lugar, e para isso tanto a mentalidade justiceira quanto a policialesca não ajudam em nada.

Ainda que houvesse efetivo por parte da Polícia Militar para cobrir, por exemplo, os mais de um milhão de metros quadrados dos campi da capital catarinense sem se ausentar do resto da cidade, ambas as visões de segurança fracassam porque, como se preocupam em garantir que uma força repressora esteja presente na hora em que um “evento” acontece (principalmente ameaças a propriedades privadas), não se preocupam com as condições estruturais da sociedade que em grande medida condicionam esses eventos. Esse fechar de olhos para desigualdades faz com que não vejam o quanto aquilo que chamam de “segurança” é, na verdade, a segurança de algumas pessoas para a insegurança de outras.

Para quem vê na posse individual de armas uma solução, ainda que fossem amplamente permitidas, não seria qualquer estudante com bolsa permanência e isenção para os passes do RU que poderia comprar uma arma. E ainda que fosse, “estar segura” é andar pelo campus em constante tensão, pronta para atirar em outro ser humano potencialmente também armado? Como será que pertencentes às comunidades LGBTQI+ se sentiriam, com a taxa de crimes de ódio cometidos contra elas no país, estudando em uma universidade com armas de fogo por todos os lados? Poderíamos ter discussões políticas sobre assuntos sensíveis, em sala de aula e fora dela, sabendo que alguém pode ter consigo uma arma de fogo? Quantas se sentiriam seguras de falar o que pensam – e o que pensam estas pessoas que em maior medida se sentiriam seguras?

O mesmo vale para aquelas pessoas que veem na presença da polícia a panaceia para os males da universidade – sendo que ela mesma, uma das polícias que mais mata no mundo em um país racista, poderia representar uma grande ameaça à segurança de estudantes negras e pobres na universidade. O histórico do papel da PM na repressão aos movimentos estudantis também é muito facilmente esquecido mais de 30 anos depois do fim da ditadura civil-militar, mas não podemos esquecer do Levante do Bosque, episódio paradigmático de 2014 no campus Trindade que explicitou a forma violenta como as polícias agem contra estudantes (absolutamente ninguém ficou seguro naquele momento – incluindo as crianças do NDI – ou “ganhou” em segurança depois dele). A universidade, como espaço de livre pensamento e pesquisa, tem que poder contestar autoridades e desigualdades (fatores estes que, afinal, prejudicam o fazer científico). Agentes armados do Estado infiltrando-se a cada fenda das calçadas da UFSC não trarão segurança àquelas pessoas cujas ideias incomodam quem em última instância dá ordens para esses agentes, em qualquer nível governamental.

… como não tem feito no passado recente

No entanto, a visão policialesca parece ter predominado nas falas e atitudes das últimas administrações. Ainda no mesmo ano do Levante do Bosque, a reitora deu uma entrevista à rádio CBN afirmando que apoiava a realização do patrulhamento móvel pela PM, e mentiu ao afirmar que nenhuma comunidade da instituição se colocava contrária à entrada da PM nos campi. Em 2015, a reitoria realizou uma reunião com as polícias civil e militar a fim de “estreitar laços” e, em seguida, publicou um ofício reafirmando a posição contrária à “perturbação da ordem”. Em 2016, ocorreu nova reunião com as polícias para reforçar a determinação do Ministério Público Federal para que a UFSC exercesse um “controle mais rigoroso quando da constatação da realização de festas/eventos não autorizados no interior do campus, inclusive com solicitação de auxílio policial”.

Durante os protestos estudantis que ocorreram naquele ano, inclusive, contrários à EC95 (sobre o teto dos gastos públicos), à PEC 65 (sobre licenciamento ambiental), à reforma do Ensino Médio e à PEC ideologicamente chamada de “Escola sem partido”, havia constantes ameaças (veladas) de desocupar à força os prédios ocupados por estudantes. Em 2017, nos dias mais frios do inverno, a DESEG recolheu diversos itens pessoais de uma pessoa que vivia no Campus Trindade, como computador, celular, cobertas, roupas e até mesmo lonas e estruturas para montar uma barraca improvisada, que estavam ao lado do Centro Acadêmico de Biologia UFSC.

E no entanto o que mudou quando o assunto é segurança? Se mudou, mudou para melhor ou para pior? E, em cada um dos casos, para quem?

Essa pergunta, que traz as desigualdades de poder de volta ao centro da discussão, não poderia ser mais oportuna no irônico caso de uma reitoria que se surpreende com as ações policiais midiatizadas contra o falecido reitor Luiz Cancellier e demais servidoras, mas não é capaz de agir frente à repressão de autoridades de “segurança” contra outras pessoas que utilizam o espaço público da UFSC.

Uma segurança comunitária?

É preciso não só buscar abordagens mais produtivas, mas mais produtivas para todo mundo. Pensar na segurança a partir de cenários imaginários em que estaríamos inseguros – e os cenários de insegurança variam imensamente de pessoa para pessoa, de grupo para grupo – é pensar na segurança que deu errado; é fácil entender por que as pessoas desejam “heróis” (sê-los, ou tê-los por perto) que venham salvar o dia.

As pessoas se sentem (e estão) em segurança quando estão em comunidade – quando existe confiança e cuidado, o que geralmente leva tempo e esforço para construir. Essa construção não parte só de voluntarismo espontâneo, mas envolve também pensar questões estruturais das relações entre as pessoas, especialmente quando falamos de um local pelo qual transitam por dia mais pessoas que a população de uma pequena cidade. E para fazer isso, não ajuda o sonho de uma UFSC como um mundo à parte, que poderia viver em uma bolha de segurança diante do resto da sociedade.

Essa perspectiva isolacionista fica evidente na distância que a UFSC parece insistir em manter com as comunidades dos bairros vizinhos ao campus Trindade, que também utilizam os campus, seja para lazer, para ir à biblioteca, para acessar serviços como os Correios ou caixas eletrônicos, entre muitas outras coisas. Em 2013 foram instaladas cancelas nas entradas do campus Trindade, sem qualquer consulta à comunidade universitária e muito menos à comunidade externa. Ainda no mesmo ano, foi realizada uma reunião consultiva sobre segurança na UFSC, que teve protagonismo da Reitoria, da DESEG e da PM, sem avançar muito nas discussões com estudantes, TAEs, docentes e comunidades vizinhas ao campus Trindadde (sem falar nos demais campi). Vinte dias após o Levante do Bosque, foi realizada uma audiência pública sobre segurança na UFSC em que, mais uma vez, ficou evidente a falta de abertura para a comunidade externa nos espaços de participação e decisão. Na reunião do CUn do dia 4 de dezembro de 2018, o reitor Ubaldo afirmou ter escrito com o DCE uma minuta de portaria para a reativação do Fórum de Segurança da UFSC, baseada na portaria do fórum anterior (nº 271/GR/2001), que supostamente contemplava a participação de todas as categorias da comunidade universitária que “se fizessem representar” por membros de entidades universitárias (como o DCE, os sindicatos, etc.), mas excluía das decisões as pessoas que não se sentem representadas pelas entidades universitárias e, principalmente, excluía pessoas externas à universidade: moradoras de bairros vizinhos, e mesmo pessoas que utilizam os espaços universitários em todos os campi, como trabalhadoras e trabalhadores dos bares, dos correios, das empresas de limpeza e do RU. Representantes da Associação de estudantes de Pós-Graduação (APG) se posicionaram contrárias a essa composição pouco inclusiva do fórum, e também questionaram a inação da reitoria acerca dos fatos ocorridos no dia 1º de novembro, chamando atenção para o fato de que não se revelam as imagens captadas pelas mais de mil câmeras de segurança espalhadas pela UFSC. O reitor acabou adiando a proposta de reativar do Fórum de Segurança para este ano, resolvendo a discussão com a abertura de uma consulta pública por email, possibilitando o envio de sugestões à reitoria. A consulta, por enquanto, não foi aberta – o que poderia indicar um interesse em esfriar o debate.

É preciso que a UFSC se posicione diante da sociedade não como um espaço de privilégio, que deve se manter murado para se manter seguro, mas como um lugar onde podemos buscar segurança para todo mundo ao investigar as raízes das nossas divisões e violências, e também ao abrir-se em diálogo, ao nível local, para produzir convivências e construir comunidades. Em grande ou pequena escala, nas discussões que levamos para fora do espaço universitário até a forma como integramos todas as pessoas que com ele interagem, é preciso fazer o mesmo: construir uma situação em que, em meio a diversidades e pluralidades, as pessoas saibam que possam contar umas com as outras.

Por uma segurança horizontal

Uma das teorias mais aceitas para explicar por que uma melhor iluminação pública funciona para diminuir a criminalidade é que, onde há mais luz, há maior sensação de segurança – e portanto as pessoas usam mais os espaços, deixando umas às outras menos isoladas. Mais que isso, em muitos casos as pessoas sentem-se genuinamente mais gratas e satisfeitas com o lugar, tornando-se muito mais dispostas a evitar que algo de ruim aconteça com ele ou com as pessoas que por ele transitam. Não se trata de lâmpadas, realmente; trata-se de pessoas, e da construção de comunidades.

Na reunião do CUn que citamos anteriormente, a discussão foi mais uma vez esvaziada, principamente pelo posicionamento pouco democrático de alguns conselheiros e sua consequente má vontade: há quem não relacione a questão da segurança com a questão das festas, e muitos defendem que quem deveria decidir sobre a segurança pública é a DESEG e as polícias. Novamente vemos as velhas mentalidades sobre segurança ignorando uma concepção horizontal de segurança pública, entre as comunidades e para as comunidades, em que resolvemos nossos próprios problemas ao coordenarmos ações que atinjam a raiz dos problemas.

Na relativamente pequena escala dos espaços universitários, é preciso permitir e incentivar sua ocupação em prol de eventos que construam solidariedade, tornando-o mais proveitoso e inclusivo. Organizar confraternizações, lazer, festas e atividades culturais é parte integrante do Movimento Estudantil. As festas são fundamentais para a disputa da sociedade e da universidade, e além de colaborar a curto, médio e longo prazo com a segurança, significam a geração de renda para o movimento, a divulgação de estilos musicais e produção artística autoral fora dos meios comerciais, e o oferecimento autônomo da formação cultural que faz parte integrante da formação humanística e crítica que a universidade deve oferecer. E para além das questões estudantis, os campi da UFSC são espaços públicos específicos, que não devem ter cancelas nem qualquer tipo de restrição à entrada: podem e devem ser ocupados pela comunidade externa, para festas, para lazer, para acesso à biblioteca, aos bebedouros, aos banheiros, etc. Uma política de segurança pública deveria ser baseada na promoção de um senso de comunidade que vá além da atividade acadêmica, abarcando a ocupação viva dos espaços em comum, em vez de na repressão de qualquer iniciativa espontânea que, muitas vezes, foge à lógica capitalista de lazer.

O que as velhas formas de pensar a segurança pública que vimos acima têm em comum é um entendimento de que a universidade é feita de indivíduos-trabalhadores e estudantes-indivíduos-clientes, átomos num ambiente em que proteção significa a manutenção de ordem para algumas pessoas e exclusão, medo ou repressão para outras. A origem e a justificativa da autoridade policial está nessa desagregação social, resultado de uma sociedade em que as pessoas precisam competir por qualquer coisa e na qual os laços de solidariedade se desfazem pelo desuso. Se uma comunidade (universitária, de bairro, de um local de trabalho) precisa de algo e as pessoas envolvidas não se organizam direta e democraticamente para resolver os problemas, abre-se uma brecha para que a alternativa venha de fora, imposta por autoridades tirânicas e/ou ofertada por mercadores interesseiros. A imposição da autoridade nasce onde está enfraquecida a autonomia do povo.

Pensamos que o melhor caminho para encontrar uma alternativa à polícia passa por não silenciar a criatividade das pessoas que são excluídas dos debates e das decisões. É preciso que todas as pessoas envolvidas no problema da segurança possam se organizar e decidir sobre suas próprias demandas. Assim, não é tão estranho pensar em festas – ou a revitalização do Centro de Convivência, ou a melhoria da iluminação pública, ou o combate à terceirização, e assim por diante – como parte de uma política de segurança, considerando que elas levam à organização de uma outra noção de universidade. A outra parte, decisiva, é formar através dessas medidas a capacidade de responder eficiente e democraticamente às ameaças e aos problemas específicos que venham a surgir.

Como observamos acima, isso leva tempo. Exige esforço, comprometimento. A dificuldade fica mais evidente quando pensamos a questão na grande escala de entender que esses “problemas que virão a surgir” em nossos espaços estão relacionados a questões de maior alcance, que exigem portanto discussões e mobilizações muito maiores. É preciso falar sobre a desigualdade socioeconômica, a especulação imobiliária, a violência contra a mulher, os crimes de ódio, a moradia estudantil, o incentivo a espaços culturais, entre muitas outras coisas. São debates imensos, e necessários. A alternativa é acreditar nas velhas soluções que discutimos: saídas aparentemente mais fáceis, mas que nunca funcionaram.

Um debate urgente é o fim da polícia militar. A violência da PM na UFSC não começou semana passada, nem é consequência das últimas eleições brasileiras. Ela sempre aconteceu, pois faz parte da natureza da PM. No ano passado, foram muitas ações violentas da PM no campus; o episódio do dia 1º de novembro apenas ganhou mais dimensão. De qualquer modo, a curto prazo, é papel da Reitoria da UFSC impedir a entrada da PM nos campi. A exigência tem que ser feita à Reitoria nesses termos, pois ela é responsável pelo espaço. Se houve desrespeito da PM à autoridade da reitoria, cabe à UFSC lutar institucionalmente contra a invasão da PM; por outro lado, se sua autoridade simplesmente não foi usada para impedir a entrada da PM, que a comunidade universitária exija que o seja.

Não é com mais instrumentos repressivos como câmeras e perseguição a militantes e a movimentos sociais que construiremos um ambiente universitário sadio. Uma ideia, um começo, seria uma campanha sobre segurança na UFSC, construída junto às comunidades vizinhas, que ponha em pauta a entrada das polícias nos campi, tendo como horizonte a desmilitarização da polícia de modo geral. A segurança é um assunto transversal: enfrentar essa questão é uma das maiores chances que a comunidade universitária está tendo de se mostrar integrada à sociedade. Os próximos anos prometem um recrudescimento da repressão contra pobres, pessoas negras, LGBTQI+, pessoas com deficiência, povos originários, quilombolas; e nós, que defendemos que o povo tenha poder também na universidade, não podemos nos isolar nem delegar às autoridades o debate a as decisões sobre os nossos corpos. Enfrentemos o problema de frente, confiando na auto-organização e na construção de diálogos horizontais para conquistar a segurança que realmente precisamos ter.

Para o semestre que logo se iniciará, LUTA E ORGANIZAÇÃO!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé,

11 de janeiro de 2019

Estudantes da UFSC contra a extrema-direita

No início da semana passada, avaliamos que existia “uma grande mobilização começando na UFSC contra a extrema-direita, com indícios de que pode tomar a proporção das maiores lutas de nossa história“.

Nessa semana que passou, perdemos as contas da quantidade de assembleias estudantis realizadas na UFSC. Nesse momento, temos pelo menos nove paralisações (Pedagogia, Psicologia, Pós-Graduação em Educação, Filosofia, Pós-Graduação em Filosofia, Ciências Biológicas, Cinema, Ciências Sociais e Arquitetura), em cinco Centros diferentes, todas elas com suas próprias programações de debates e atividades. Outros cursos ainda tiraram dias de paralisação, como Design e Animação. Na quarta-feira, uma plenária no CFH lotou os três andares do prédio de aulas. Na quinta, a Assembleia Geral de Estudantes da UFSC reuniu 975 estudantes que fizeram credenciamento, além de dezenas ou centenas de pós-graduandos e demais pessoas que participaram da assembleia.

No texto publicado no início da semana, elencamos argumentos para manter a pauta em torno do #EleNão e do combate à extrema-direita, ao invés de centrar esforços na campanha eleitoral de Haddad. Entre eles, a importância de agregar um movimento de massas que inclua toda as críticas feitas ao PT pela esquerda; entender que Bolsonaro é apenas uma liderança de um movimento de extrema-direita maior, que envolve interesses de diversos atores; e por fim não cair na ilusão de que a extrema-direita pode ser derrotada através das urnas, mas enxergar que essa tarefa exigirá nossa articulação e luta para além do calendário eleitoral.

Na Assembleia Geral, prevaleceu um posicionamento de apoio ao candidato Haddad, mas vários dos cursos que estão em luta mantiveram uma posição de independência e de horizonte para além do momento eleitoral. A Assembleia também tirou posições importantes para a articulação dos cursos em luta, a formação de um comitê de autodefesa, a paralisação geral de um dia na sexta (26/10) e a convocação de outra Assembleia para o início do ano que vem, independente de quem ganhar as eleições.

Um dos debates fundamentais nesse momento é a decisão por realizar as paralisações de curso ou não.

Acompanhamos, durante essa semana, três formas de crítica às paralisações, por supostamente promover mais ataques da extrema-direita; por serem usadas para deslegitimar a universidade pública; ou porque a necessidade é de mobilização para fora do meio universitário. Ainda assim, consideramos que as paralisações são instrumentos fundamentais nesse momento.

Entendemos, como argumentaram as estudantes de Filosofia, que paralisar não é sinônimo de parar. Estamos em paralisações para agir, inclusive fora dos muros da universidade. Os dias em que ficamos sem aulas são um momento de intenso aprendizado, em que buscamos interpretar coletivamente a realidade a nossa volta e pensamos como intervir nela. 

No fim, não é por outro motivo que a universidade é mantida pelo conjunto da sociedade. Ela forma profissionais, também, mas tem uma tarefa muito maior, que é mobilizar ensino, pesquisa e extensão para compreender os principais dilemas da sociedade e sugerir caminhos. Na encruzilhada em que nos encontramos, entre a luta social ou a barbárie, o papel social das estudantes e da própria universidade é tomar posição!

Nossa ação será atacada por nossos adversários seja ela qual for – e não podemos acreditar que nosso silêncio trará qualquer tipo de conquista. Se temos uma universidade pública hoje, é porque ousamos enfrentar os interesses de mercado, mesmo contra a crítica das elites ou a repressão política. Nesse momento de levante da extrema-direita, não podemos achar que passaremos despercebidas. O projeto de educação deles já está definido e muito bem divulgado: pretendem privatizar toda a educação pública, impedir a organização sindical e vetar qualquer tipo de ensino, pesquisa e extensão de caráter transformador ou vinculados aos movimentos sociais. Do nosso lado, só podemos escolher se haverá resistência a eles ou não.

No limite, a única garantia real de que impediremos a privatização de nossos bens comuns – ou de que manteremos nossas liberdades políticas frente ao avanço autoritário – é nossa capacidade de organizar uma greve geral no momento necessário. Aquilo que fazemos hoje é tanto uma demonstração de força, quanto um acúmulo para a próxima etapa da luta. Após um ano sem grandes mobilizações na Universidade, muitas estudantes participaram de sua primeira assembleia nessa última semana e se tornaram companheiras, ombro a ombro na resistência. Nosso aprendizado coletivo é que dirá se teremos capacidade de responder ao que o momento histórico exigir.

#EleNão!
PARA DERROTAR A EXTREMA-DIREITA, ORGANIZAÇÃO E LUTA!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé
Florianópolis, 21 de outubro de 2018

 

Por um DCE construído de baixo para cima: propostas para o Regimento do CEB

O Conselho de Entidades de Base (CEB) é uma ferramenta importante na construção da mobilização estudantil. A existência de um Regimento para o CEB pode cumprir um papel importante por apresentar a natureza deste Conselho e explicitar os meios justos para seu funcionamento, como convocatórias, quórum e formas de deliberação. No entanto, o processo de elaboração do Regimento deve representar um acordo construído no movimento estudantil. Ao contrário disso, a Diretoria do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC afirma um acordo consigo mesma sobre uma proposta elaborada por apenas um Centro Acadêmico (CA), buscando aprová-la o mais rápido possível, sem considerar o desgaste consequente para as lutas do movimento estudantil

Até o momento, já foram convocadas 09 reuniões de CEB tendo como pauta única a discussão da proposta regimentarsendo que 03 delas não atingiram quórum mínimo de apenas 16 CAs e inúmeras foram incapazes de votar um ponto sequer, restando ainda 13 artigos com destaques pela frenteTrata-se de um documento composto por 20 artigos, mas incompleto para regimentar um espaço em constante disputa, o que ainda nos leva a ter pela frente a discussão de sugestões e críticas a pontos ausentes. Nesse processo, Centro Acadêmico Livre da ArquiteturaCentro Acadêmico da BiologiaCentro Acadêmico Livre da Psicologia – três dos CAs mais atuantes no movimento estudantil da UFSC – já lançaram notas críticas à proposta e à forma como a Diretoria do DCE vem tocando a discussão.

A Coletiva Centospé tem acompanhado os debates sobre o Regimento e entende que o processo longo e improdutivo, desde a reformulação do texto às votações, é consequência da falta de discussões aprofundadas sobre a natureza do Conselho e seus objetivos. Há uma tentativa da Diretoria do DCE em “mostrar serviço” através da produção de um Regimento que sirva como legado da gestão, o que compromete todo o movimento estudantil com uma pauta arrastada e cheia de atropelos.

Para resistir em defesa de uma Universidade Pública e Popular, a militância estudantil precisa dar centralidade às mobilizações. Nas últimas semanas, vivemos momentos importantes na luta por moradia estudantil, no caso da postura racista da diretora do CFH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) com as estudantes indígenas, no corte nacional às bolsas permanência indígena e quilombola,  na luta contra as fraudes nas Ações Afirmativas raciais. São apenas alguns exemplos de pautas que não podem ficar restritas às reuniões amplas da Diretoria do DCE, que não possuem tradição de agregar as diferentes forças políticas da UFSC. Enquanto isso, um espaço de luta legitimado como o CEB é condenado a uma agenda burocrática em torno de si mesmo.

Nós acreditamos que um movimento estudantil forte não se constroi a partir da direção das entidades representativas, por isso não compusemos nenhuma chapa nas eleições à Diretoria do DCE. Buscando dialogar com as bases do movimento estudantil e contribuir com o debate dos Centros Acadêmicos e forças políticas da Universidade, faremos algumas considerações sobre princípios que implicam outra forma de enxergar o Regimento do CEB.

Autonomia das entidades de base

Cada entidade de base é resultado dos acordos e acúmulos feitos no movimento estudantil de seu Curso, na diversidade de suas lutas e debates, o que garante, por exemplo, a legitimidade de CAs autogestionados sem processo eleitoral é a sua própria base; por isso, não cabe à Diretoria do DCE o controle sobre as formas organizativas de cada CA. Além disso, o Conselho é orgão fiscalizador do DCE, não das entidades de base, então não é pertinente que ele legisle sobre como cada CA deve enviar representantes ou garantir que sua representação seja legítima.

Segundo o Estatuto do DCE, o CEB é um órgão administrativo do DCE (assim como a Diretoria, a Assembleia Estudantil e o Congresso Estudantil) e possui caráter deliberativo, consultivo e fiscalizador. A Diretoria é apenas o órgão executivo do DCE e o CEB está acima dela, ao mesmo tempo em que o Conselho está submetido apenas às Assembleias e Congressos. Dessa forma, também não cabe à Diretoria do DCE o controle sobre o CEB, nem a garantia de mesa das sessões, uma vez que o CEB parte das entidades de base.

Aliás, cabe ressaltar que, ao contrário do que se costuma dizer, o DCE não é a Diretoria; toda estudante faz parte do Diretório.

CEB como instrumento de luta

O CEB serve para organizar as lutas do movimento estudantil, então o seu engessamento não pode estar previsto no Regimento. É necessário garantir a liberdade para discutir qualquer assunto que for sugerido como pauta, cumprindo o acordo de quórum para a sessão, sem ferir a autonomia dos CAs em deliberar sobre os temas que se julgar pertinentes em determinada conjuntura.

Um Regimento que não compreenda essa dimensão e não dialogue em sua concepção com a natureza de mobilização do Conselho, cai em uma burocratização que pode impedir a ação efetiva nas situações reais. É necessário garantir ao CEB a agilidade necessária para mobilizar lutas e lidar com qualquer emergência que aparecer pela frente, permitindo a convocação pelas entidades de base e a inclusão de pautas emergenciais fora do prazo, desde que seja resguardado algum mecanismo de veto a uma pauta sem a antecedência necessária.

Todo poder ao CEB

Uma reunião de CEB, organizada com pauta em antecedência, convocação aberta e quórum de CAs para tomar decisões, é muito mais legítima e democrática que uma reunião interna de Diretoria, onde podem estar poucas estudantes e sem uma representação significativa dos cursos – o mesmo vale para as reuniões abertas, como tem realizado a atual gestão. Por isso, defendemos que o CEB tem legitimidade para tomar qualquer decisão dentro dos limites do Estatuto e das posições de Assembleias e Congressos, o que envolve todas as ações da Diretoria.

Isso significa, por exemplo, que o CEB tem legitimidade para tirar notas de posição e organizar atividades em nome do DCE, deliberar sobre o uso do dinheiro, decidir sobre as posições a ser levadas nas instâncias universitárias e tomar ações a respeito dos seus espaços físicos.

Através da autonomia e do poder devidamente localizados nas entidades de base, temos um incentivo para sua construção e fortalecimento pelas forças do movimento estudantil, reforçando a importância da presença dos Centros Acadêmicos. Essa mudança de percepção da relação CEB-DCE valoriza o esforço de quem está efetivamente construindo as lutas no cotidiano e vivenciando as bases.

Quanto mais poder o Conselho possuir, menor é a pressão para que se jogue toda a força do movimento estudantil nas eleições da Diretoria do DCE, o que inclui os gigantescos gastos financeiros e de tempo envolvidos. Diminui também, automaticamente, a pressão para construir chapas com centenas de membros, onde na prática a grande maioria não vai construir a gestão, além de perder força a tática desleal de organizações políticas de trazerem militantes de fora da UFSC para ajudar nas campanhas – que não agrega em nada para a luta.

Horizonte organizativo do Movimento Estudantil

Defendemos esses princípios para subsidiar a construção coletiva de uma nova proposta de Regimento para o CEB, mas sabemos que eles também apontam em direção a uma transformação fundamental para o DCE e para o movimento estudantil da UFSC: o abandono do modelo de Diretoria eleita e adoção da gestão cotidiana da entidade através das entidades de base, em reuniões do ConselhoLembramos que o DCE UFSC já funcionou durante um semestre inteiro sem Diretoria em 2011, organizado a partir de reuniões do CEB, uma experiência em que a entidade manteve seu bom funcionamento.

Esse horizonte é importante para nós porque traz consigo uma pedagogia da ação direta, em que não delegamos nossa capacidade de intervenção política para uma Diretoria que fala em nosso nome, mas fortalecemos a lógica de que é preciso fazermos nós mesmos o que queremos que seja feito. Para nós, é isso que significa o lema de fazer por nossas mãos tudo que nos diz respeito“.

Existe um papel importante cumprido pelas eleições anuais do DCE, que é o debate sobre o projeto de movimento estudantil e o projeto de Universidade que nós queremos. Porém, quando estamos elegendo pessoas e não diretamente os projetos, existe um forte rebaixamento da política para a lógica eleitoral, onde se criam falsas alianças para entrar melhor na disputa pelo cargo e se defendem determinadas propostas com fim exclusivo de atrair votos, sem real interesse em construir essas ações. Sugerimos transformar a eleição da Diretoria em um Congresso de Estudantes da UFSC, quando se debatem e aprovam teses.

Com uma eleição de teses  propostas políticas práticas, e não um conjunto de pessoas (chapa)  o debate passa a girar em torno das pautas, sem necessária formação de blocos ou alianças. Assim, perdem espaço os votos personalistas, as manobras eleitorais e o posicionamento interesseiro das chapas para convencerem estudantes alheias ao debate a votar em cima da hora. Por sua vez, o que ganhamos com essa forma organizativa é a possibilidade de focar os debates sobre os projetos de Universidade e as lutas que precisamos para construí-los, contando com a força e a presença de quem está disposto a trabalhar, não de quem apenas busca o controle das entidades representativas.

O que defendemos aqui é um horizonte de auto-organização e construção desde a base no DCE. O movimento estudantil é a ação conjunta das estudantes para transformar a realidade. Com as práticas de autonomia, participação direta e combatividade é que se constroi uma educação a serviço do povo e uma nova sociedade.

Coletiva Centospé

Florianópolis, 21 de junho de 2018

Sobre o ato das Centrais Sindicais (30/05) e a construção da greve geral

A Coletiva Centospé esteve presente hoje no ato no Centro da cidade, convocado pelas centrais sindicais CUT, CTB e Intersindical. No entanto, fizemos um chamado independente para a manifestação, pontuando algumas diferenças de pauta e horizonte. Por isso, aproveitamos para compartilhar nossa avaliação do ato de hoje com as companheiras e companheiros que estiveram presentes.

1. As Centrais acertaram em marcar um ato de rua em defesa da Petrobrás, da greve dos petroleiros e contra as propostas de intervenção militar, pautas fundamentais que nos fizeram ir para as ruas também. No entanto, erraram ao não pautar o apoio à greve dos caminhoneiros, ao colocar as eleições como horizonte para a reivindicação popular e, principalmente, por não defender a construção de uma greve geral.

2. A única forma de atender as reivindicações da greve de caminhoneiras e caminhoneiros é mudando a política de preços da Petrobrás. Por esse motivo, quando a greve se manteve firme, ela se colocou diretamente em oposição ao projeto de Temer, dos partidos de direita e, principalmente, dos interesses do mercado. Mesmo com algum apoio aos militares entre a categoria, as Forças Armadas estão atuando por todo o país na repressão dos caminhoneiros e de seus apoiadores, como aconteceu ontem em Biguaçu e como ameaça acontecer a qualquer momento na Palhoça. Nenhuma palavra foi dita pelas Centrais em repúdio à repressão que sofrem os caminhoneiros, o que é inadmissível.

3. O anúncio de um novo aumento no preço da gasolina, resultado da política privatista de Pedro Parente na Petrobrás, a mando do Governo Temer, é um desaforo a toda a classe trabalhadora. Se eles podem rir da nossa cara dessa forma, é apenas por sua confiança de que passarão impunes neste momento em que a greve dos caminhoneiros começa a perder força. A maior arma da classe trabalhadora é seu poder de parar a produção, como os caminhoneiros demonstraram de forma impressionante. Por isso, esse aumento da gasolina no dia de hoje é mais um motivo pela defesa aberta e consequente construção da greve geral em defesa de nossas empresas públicas e da redução do custo de vida de todo o povo. Essa tarefa não pode cair apenas nas costas de uma categoria ou de outra, ela exige ação unitária e esse é o papel que as centrais sindicais deveriam cumprir.

4. O ato de hoje teve dois momentos bem diferentes. Na concentração, enquanto predominava o carro de som com músicas e falas de lideranças sindicais e partidárias, a pauta se manteve presa às linhas tiradas entre as Centrais. No entanto, quando tomamos as ruas e a bateria entrou em cena, sem o carro de som, abrimos espaço para as palavras de ordem da manifestação e foi possível perceber que os anseios do povo na marcha eram bem diferentes. Cantamos em solidariedade aos caminhoneiros, como pauta imediata e urgente nesse momento, mas também cantamos pela greve geral e pelo poder popular como nossos horizontes. O ato foi curto, mas conseguimos colocar nossa palavra na rua.

Apesar da tentativa da mídia corporativa em pintar o fim da greve dos caminhoneiros, sabemos que ainda há muita gente parada e uma grande expectativa pela greve dos petroleiros e de outras categorias que estão se mobilizando. Consideramos que temos muito trabalho de agitação e luta para fazer nos próximos dias, centrando forças no apoio às greves e na defesa de uma nova política de preços para a Petrobrás, contra o seu processo de privatização. Essa luta precisa de nossas táticas mais eficientes, que são os atos, greves e ocupações, aliados a nossos princípios de organização, ação direta e solidariedade de classe.

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé

O MOVIMENTO ESTUDANTIL PRECISA ESTAR JUNTO AOS CAMINHONEIROS NA CONSTRUÇÃO DA GREVE GERAL

Nós, da Coletiva Centospé, nos colocamos ao lado das/dos caminhoneiras/os em greve e contra as tentativas de oferecer soluções falsas para seus problemas. A greve iniciada por esse setor demonstra a força da classe trabalhadora e seu poder de construir a própria história através da ação direta. Devemos, neste momento, somar à luta das/dos caminhoneiras/os através da paralisação de outras categorias, e construir enfim uma greve geral forte, popular e de base, capaz de combater as investidas neoliberais nos direitos das/dos trabalhadores/as.

O que é a greve?

No dia 15 de maio de 2018, em decorrência dos sucessivos aumentos no preço dos combustíveis em um curto espaço de tempo, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) encaminhou um ofício ao governo federal solicitando atendimento de demandas urgentes, incluindo o congelamento do preço do diesel. Como o governo se recusava a dialogar, a entidade começou a mobilizar a categoria no dia 18 para uma paralisação a partir do dia 21. Posteriormente, aderiram à paralisação as transportadoras, que prometeram não penalizar os funcionários nem realizar cortes salariais ou demissões. A greve conta com grande apoio nacional, já que a alta do preço dos combustíveis afeta a vida de grande parte dos brasileiros. No dia 21, rodovias do país foram bloqueadas em diversos estados e, desde então, o movimento teve adesão de mais trabalhadoras/es do setor, assim como o apoio de outras categorias, como as/os petroleiras/os.

Os aumentos no preço dos combustíveis têm sido constantes nos últimos anos, intensificados desde que o atual presidente da Petrobrás, Pedro Parente, atrelou o preço que pagamos por eles no país às variações do mercado global. Assim, não garante o melhor preço para o mercado interno da própria Petrobrás – empresa de capital aberto cujo principal acionista é o Governo Federal. Esse caráter de empresa estatal de economia mista acaba favorecendo somente alguns acionistas poderosos, além das empresas de capital internacional, pois aumenta nossa importação dos derivados de petróleo a um custo mais alto do que pagamos quando produzimos aqui. As refinarias da Petrobrás operam, nesse momento, com apenas 70% de sua capacidade, sem falar que o Governo Temer privatizou quatro refinarias no mês passado. O nome Petrobrás, aliás, nós escrevemos com acento, como sempre foi na língua do povo, antes do acento ter sido tirado para agradar os leitores estrangeiros nos anos 1990.

Importante ressaltar que Pedro Parente não só é o conhecido “ministro do apagão” – comandou o Ministério de Minas e Energia durante a crise de energia elétrica no início dos anos 2000 – mas já foi consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e é próximo de especuladoras internacionais, como a estadunidense JP Morgan. Tanto o FMI quanto a JP Morgan estão por trás de diversas façanhas neoliberais no Brasil nos últimos anos. Como se não bastasse, Parente ainda é dono de uma empresa que tem como intuito “cuidar e zelar por um grupo seleto de famílias que aspiram perenizar e crescer seu patrimônio”, ou seja, perpetuar as desigualdades do capitalismo.

A greve: uma disputa

A solução divulgada nas grandes mídias para a principal demanda da greve é a redução dos impostos, o que beneficiaria diretamente os patrões e empresários do petróleo, sem representar uma garantia duradoura de conquista para os caminhoneiros, visto que os preços podem continuar aumentando. O governo tentou negociar com lideranças sindicais patronais e de autônomos, divulgando que houve acordo para o fim da greve depois de uma proposta rejeitada amplamente pela categoria. Essa é uma tática conhecida dos poderosos: dialogar com “representantes” do movimento para gerar acordos que possam legitimar o uso da força contra as/os trabalhadoras/es da base, cuja maioria neste caso não reconhece estes acordos e pretende continuar com os piquetes e trancamentos nas estradas. Agora, o governo cedeu uma redução de 10% (R$0,46) no litro do diesel por sessenta dias, mas a maioria da categoria se mantém em luta.

Como a pauta concreta desta greve são os custos de trabalho e de vida das/dos caminhoneiras/os, temos aí uma reivindicação com potencial de atingir toda a classe trabalhadora. Neste momento de disputa ideológica, a participação da esquerda junto aos pontos de greve é importante, mas precisa ser feita de forma coletiva e qualificada, garantindo a autonomia da categoria. A extrema-direita tem tentado colonizar o espaço sem escrúpulos, colocando faixas nos piquetes dos caminhoneiros para saídas autoritárias, como intervenção militar, que não são capazes de resolver os problemas que o povo brasileiro enfrenta. Não podemos retroceder e nos submeter ao autoritarismo, a repressões e massacres, como os já sofridos durante as ditaduras vividas em nossa América Latina, ignorando a história recente e deixando que ela se repita.

Neste momento, é papel da esquerda questionar as pautas da redução de impostos e da intervenção militar, e desmascarar a extrema-direita e os patrões oportunistas. Reduzir os impostos não vai reduzir o preço dos combustíveis a longo prazo, pelo contrário: enquanto eles estiverem atrelados ao mercado internacional, vão continuar subindo se o preço do barril subir. A única solução efetiva para reduzir o custo é fazer a Petrobrás voltar a controlar os preços, beneficiando o povo pobre e não os acionistas. Para fazer isso acontecer, a classe trabalhadora e movimentos populares devem se mobilizar em seus espaços de atuação, posicionando-se em solidariedade à greve, e construindo uma agenda política de greves, mobilizações nos bairros e atos com essas pautas.

O governo, na figura de Temer e de seus aliados, também não está interessado em negociar as pautas das/dos trabalhadoras/es do petróleo, que começam uma grande mobilização e greve nesse momento. Para Temer, o fundamental é o apoio do capital financeiro em sua busca para privatizar a Petrobrás, como já tem feito, cedendo a exploração de poços de petróleo para empresas estrangeiras e vendendo nossas refinarias. O mesmo pode ser dito de outros grupos supostamente apoiadores da greve, como políticos com interesse eleitoral e que desejam o apoio popular. Nesse grupo estão muitos militares, que também buscam legitimidade para seu projeto autoritário e repressor de qualquer reivindicação popular.

Mas então, quem pode resolver as exigências da greve?

É o povo unido em luta! Ninguém lá em cima tem interesse em fazer o que precisa ser feito. Só vai acontecer quando nós, os de baixo, os obrigarmos. O poder da classe trabalhadora não está no voto, está na capacidade de parar a produção, como estão ensinando as/os caminhoneiras/os e as/os petroleiras/os. É hora de dar todo apoio e construir uma greve geral em defesa da Petrobrás 100% pública, com uma nova política de preços, contra o aumento dos custos de vida do povo pobre e contra qualquer saída autoritária. A única solução para a luta das/os caminhoneiras/os está junto ao resto da classe trabalhadora, junto aos sindicatos e movimentos sociais que não têm rabo preso com o poder, defendendo a mesma pauta que eles.

Um chamado à greve geral

Após sete dias de greve das/os caminhoneiras/os, o impacto na economia foi de mais de 10 bilhões de reais. Essa é a força da classe trabalhadora! Uma greve geral, neste momento, é o que pode deixar Temer sem opção, a não ser aceitar as demandas por uma nova política de preços na Petrobrás e pela redução do custo de vida de todas e todos nós. Saudamos a construção da greve nacional das/dos petroleiras/os, a paralisação das/dos trabalhadoras/es do transporte de Florianópolis e todas as outras categorias que estão se mobilizando para a luta por todo o país. É a hora de construir o futuro que queremos, o tempo urge!

CONTRA O AUMENTO DO CUSTO DE VIDA!
EM DEFESA DA PETROBRÁS 100% PÚBLICA!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé,
29 de maio de 2018.

As eleições para a Reitoria e a disputa pela autonomia universitária

A consulta à comunidade universitária para a eleição de um novo reitor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) não é uma consequência imediata ou automática da vacância do cargo após os eventos de 2017: ela só está ocorrendo por conta da pressão exercida através da Comissão Unificada de Mobilização, que fez vigílias contra a perspectiva de que o Conselho Universitário poderia nomear um novo reitor de forma autocrática. Agora, consideramos fundamental interpretar alguns elementos do momento político, discutir o significado da autonomia universitária, caracterizar as chapas em disputa pela Reitoria e expressar nossa postura frente à eleição e à futura Reitoria.

A autonomia universitária

A questão da autonomia é tema central na UFSC neste momento, especialmente em decorrência do abuso de poder do Estado que a intervenção da Polícia Federal e do Judiciário na gestão universitária representam. Poucos meses depois destes acontecimentos em nossa universidade, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também foi alvo de uma operação coercitiva da Polícia Federal que tomou ares de condenação na grande mídia, mesmo quando as investigações ainda estavam no início, ocorrendo em sigilo. A atual situação da Universidade Federal do ABC (UFABC) é outro elemento para o debate sobre autonomia, uma vez que esta universidade passou pelo processo de escolha de seus dirigentes há meses, mas não houve nomeação pelo Ministério da Educação do reitor eleito, o que motivou um indicativo de greve docente.

Esse não é um tema novo, pois nos remete à memória de resistência às intervenções autoritárias do Estado e das polícias nas universidades durante a ditadura civil-militar, período de grande protagonismo estudantil. Hoje, no entanto, o termo parece ter se tornado um grande jargão usado para defender interesses diversos. Embora a Constituição assegure às universidades autonomia didático-científica, administrativa, e de gestão financeira e patrimonial, diferentes maneiras de interpretar e efetivar essa autonomia da Universidade frente ao Estado e ao mercado possibilitam que cada campo político utilize o termo para defender projetos bastante diferentes de Universidade. 

A gestão Cancellier, por exemplo, usou de sua autonomia para realizar parcerias entre a Universidade e o governo de Israel, abrindo espaço para que o país oferecesse aulas e cursos aqui, bem como para defender parcerias privadas com empresas israelenses. De nada serve autonomia para aliar-se a Estados genocidas sem qualquer princípio de democracia interna, já que a proposta não foi debatida pela comunidade, ainda mais quando isso ainda representa uma submissão a interesses de mercado. Poderíamos fazer comentários similares a respeito de como as gestões Cancellier e Ubaldo decidiram permitir o uso de áreas da UFSC para treinamento militar ou como consideraram que a alocação de laboratórios e campi dentro de condomínios empresariais representavam um novo modelo institucional. A “autonomia universitária” por si só, portanto, não é garantia de uma universidade mais democrática ou popular.

Na UFSC, os órgãos deliberativos Conselho de Curadores e Conselho Universitário (CUn) são espaços-chave para exercer a autonomia financeira e administrativa. No entanto, predominam neles os professores, que compõem numericamente a menor categoria em comparação com o corpo discente e de servidores técnico-administrativos da instituição, enquanto a comunidade externa não tem praticamente espaço algum. Além de lutar por mais democracia interna, precisamos avançar o debate para o controle social da universidade, isto é, a capacidade da comunidade externa, do povo que vive nos bairros do entorno, da classe trabalhadora da região e dos movimentos sociais de nosso Estado influenciarem os rumos da instituição. A participação da comunidade nestas e em outras instâncias universitárias pode ser um caminho para o controle social, como por exemplo na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que surgiu a partir de demandas populares e atualmente conta com a participação da comunidade externa em seus processos decisórios, incluindo as eleições para a Reitoria. 

Discutir a autonomia da universidade é particularmente relevante neste período de desmonte das universidades públicas, em meio a um avanço autoritário do Estado e às iniciativas privatistas. Isso envolve exigir os recursos necessários para nosso funcionamento, sem rabo preso na cobrança ao governo, mas também a autonomia na proposta político-pedagógica, de forma a direcionar nossa formação, nossa extensão e nossas pesquisas para rumos que não sejam determinados pelas necessidades do mercado, nem mesmo por certos projetos de Estado, quando sabemos que essa é uma estrutura de poder das classes dominantes. Mesmo as ações em que temos alguns avanços, como o aumento das vagas no ensino superior público ou as ações afirmativas para ingresso, são conquistas arrancadas do Estado pela luta popular.

A partir dessa interpretação da autonomia universitária, passamos a analisar as candidaturas nas eleições à reitoria de 2018.

Os candidatos e seus campos políticos

Os candidatos à consulta pública para a Reitoria da UFSC no segundo turno são o atual reitor pro tempore, Ubaldo Cesar Balthazar, e o diretor do Centro Sócio-Econômico (CSE), Irineu Manoel de Souza. Ambos posicionam-se a favor de uma universidade autônoma, mas cada um entende o termo à sua própria maneira: 

A candidatura de Ubaldo dá continuidade à última gestão (o mote “A UFSC pode mais” é o mesmo utilizado na campanha de 2015 de Cancellier) e se propõe a devolver a universidade ao “equilíbrio”, uma alternativa de ajuste e acomodação ao cenário político de fortes retrocessos que vivemos. Enquanto reitor, Ubaldo se posiciona no máximo de forma tímida frente aos ataques do Governo Federal, quando pressionado. Em sua gestão, saudou a iniciativa privada dentro da universidade ao colaborar com a instalação do campus Joinville em um condomínio industrial privado, declarando sua satisfação com a criação de “um celeiro de oportunidades, com indústria e centenas de jovens estudantes prontos a responder às questões apontadas pelo mercado. Mesmo durante a campanha eleitoral, recusou a participação no debate organizado pela entidades estudantis e não respondeu à Carta de Reivindicações da Associação de Pós-Graduandos (APG). Nas últimas semanas, sua gestão descumpriu todas as promessas feitas relativas à situação da Moradia Estudantil na UFSC, onde sua gestão manteve o legado recebido de inexplicáveis vagas ociosas, infestação de ratos, vazamentos e goteiras. Acreditamos que isso demonstra uma forte tendência a uma gestão incapaz de ouvir estudantes, em particular as demandas por permanência, mas que está predisposta a agradar o Governo Federal e estimular o caminho de submissão de nossa instituição aos interesses de uma minoria.

Quanto à candidatura de Irineu, identificamos pontos positivos em seu programa de chapa como a centralidade nas pautas por permanência estudantil, defendendo avanços em temas fundamentais como Restaurante Universitário, Moradia Estudantil, Ações Afirmativas e as festas. Posiciona-se contra a presença da Polícia Militar nos campi, defendendo o reestabelecimento do cargo de segurança institucional para as Universidades Federais, e tem demonstrado capacidade de se posicionar de forma crítica às políticas do Governo Federal, às parcerias público-privadas e às Fundações de Apoio, outra porta de entrada do interesse privado nas universidades. Desde o início do debate sobre a EBSERH, foi uma voz contrária à adesão do Hospital Universitário à empresa pública de direito privado – após mais de um ano de funcionamento pela EBSERH, o HU apresenta graves problemas de falta de contratações e está esporadicamente com sua emergência fechada. Cabe ressaltar, por fim, sua postura aberta de apoio à redução da jornada de trabalho de servidores técnico-administrativos e ao aumento de sua representação nas instâncias da Universidade.

Nossa posição frente à disputa

A Coletiva Centospé acredita em um projeto de Universidade radicalmente diferente do atual, que seja voltado diretamente às necessidades populares e à transformação da sociedade. Acreditamos que é papel do movimento estudantil construir uma força social e política autônoma, capaz de avançar neste objetivo estratégico sem abrir mão de princípios, sem ceder nossas forças, nem submeter os interesses estudantis e populares à conciliação com nossos inimigos de classe.

Nesta quarta, votaremos no candidato Irineu (80) e convidamos a comunidade universitária a votar junto a nós, pelas diferenças expostas em seus projetos de Universidade e pela perspectiva de um outro patamar de disputa de nossas demandas frente à futura Reitoria. Independente de quem levar a eleição, seguiremos como oposição de esquerda dentro do movimento estudantil e dos espaços de construção coletiva das categorias na UFSC, pois qualquer vitória concreta só pode ser consequência de organização e luta independente, capaz de alterar a correlação de forças e arrancar conquistas.

Mais fortes são os poderes do povo!

Coletiva Centospé,

09 de abril de 2018

Sobre as eleições para o DCE UFSC

A votação para a direção do Diretório Central de Estudantes da UFSC ocorre nessa semana, nos dias 27 e 28 de setembro. Apresentamos aqui uma análise das forças em jogo nas eleições, uma crítica de práticas presentes entre os grupos de esquerda no movimento estudantil, nossa posição para as votações e algumas prioridades para as lutas no próximo período.

Quem são as chapas?

Temos quatro chapas disputando as eleições. A Chapa 1 “Ainda há tempo” inclui vários grupos de esquerda com posição crítica ao campo petista, como Juventude Comunista Avançando, União da Juventude Comunista, MAIS, Brigadas Populares, Alicerce, além de pessoas independentes. A Chapa 2 “Um novo enredo” reúne os setores que fizeram sustentação para as políticas do PT, como a Juventude Revolução, a União da Juventude Socialista, Juventude do PT e PDT. Essa agrupação inclui setores da centro-esquerda e também grupos que atuaram lado a lado com a direita, compartilhando seus métodos e pautas, como a UJS que esteve construindo o DCE até a última gestão. Precisamos apontar que a Chapa 2 se apropria da estética dos zapatistas, uma força política indígena revolucionária baseada em princípios de autonomia, autogestão e crítica ao Estado, propostas opostas aos grupos que constroem essa chapa. A Chapa 3 “Chapa Zero”, é fruto do grupo de mesmo nome impugnado ano passado pelas ameaças explícitas de violência machista e contra pessoas da esquerda em geral. Esse grupo, que se articula em grupos da internet com argumentos “anti-política”, tem entre seus membros pessoas com histórico de posições racistas, misóginas e abertamente fascistas que precisam ser repudiadas por todas e todos. Por último, a Chapa 4 “Pense diferente” é a continuidade do grupo de direita que estava na direção do DCE e foi completamente ausente na defesa dos direitos estudantis, resumindo sua atuação praticamente à venda de carteirinhas, blidangem da Reitoria e promoção de convênios com grupos privados.

Importante apontar que não concordamos com a caracterização de que a chapa 1 representa uma proposta de unidade da esquerda. Vários setores de esquerda que estiveram na linha de frente das lutas do último ano não estão construindo essa chapa, como muitas militantes no movimento negro, indígena, de estudantes mães e pais, da luta por permanência, além de grupos como o PSTU, a RECC, o jornal UFSC à Esquerda ou nós da Coletiva Centospé. A resistência na UFSC é muito mais ampla do que a disputa pela direção do DCE.

Construção cotidiana ou disputa por direções?

Em um contexto de graves ataques às classes oprimidas, a mobilização de tempo, esforço e dinheiro que são gastos com as eleições para o DCE apontam para um interesse maior em alcançar postos de direção, conquistar referência política e falar em nome das estudantes, do que em avançar as lutas. São escolhas que não combinam com uma atuação pela base, que acredita no poder da mobilização estudantil e na ação direta para alcançar vitórias.

Nesse sentido, fazemos algumas perguntas: onde estava todo esse esforço de imprimir materiais, fazer passagens em sala, pintar faixas, organizar festas, saraus e dedicar horas e horas em reuniões de debate político até o mês passado? Onde estava essa disposição na construção das Greves Gerais? Onde estava essa disposição quando aumentou o valor do RU para as tercerizadas da UFSC? Quando as festas foram proibidas na Universidade? Quando a Reitoria decidiu levar a UFSC Joinville para dentro de um business park privado? Quando ela firmou acordos com o Governo genocida de Israel? Quando o Conselho Universitário passou sérios retrocessos nas políticas de Ações Afirmativas no vestibular 2018?

No período que antecede as eleições para o DCE, ocorre uma “caça eleitoral por pautas”, em que as chapas correm atrás de saber quais as demandas de estudantes indígenas, da licenciatura do campo, de estudantes surdos, estudantes mães e pais, grupos de extensão popular, dos campi do interior, entre outros setores, para tentar representar essas bandeiras. Até que ponto essas chapas podem se apresentar como comprometidas, se não conhecem o cotidiano dessas reivindicações e muitas vezes não se fizeram presentes nos momentos de luta?

Rebaixamento das pautas

Muitas companheiras justificam o esforço prioritário nos períodos eleitorais com o argumento de que é um momento fundamental de fazer debate político na Universidade e fazer trabalho de base a partir das propostas de chapa.

Para nós, a disputa pelo sentido da Universidade exige posicionamento em todos os momentos sobre questões como: a defesa da não-entrada da Polícia Militar no campus e o fim da Polícia Militar em toda a sociedade, por seu histórico de atuação racista e genocida; a luta contra os interesses de mercado representados pelas fundações de direito privado na Universidade; a luta contra as formas de empresariamento representadas pelas Empresas Júnior; a defesa de uma interpretação popular da extensão, vinculada necessariamente às necessidades de movimentos sociais e grupos marginalizados; a defesa da paridade nas instâncias de decisão da UFSC e o voto universal nas eleições; a defesa do fim do vestibular e o direito ao acesso universal na educação superior; enquanto ainda há vestibular, a defesa de cotas sociais em, no mínimo, 85% das vagas, conforme a proporção da juventude que está na educação pública; a defesa de ampliação das políticas de ações afirmativas para estudantes negras e indígenas em todos os níveis; a atuação do DCE em articulação direta com os movimentos sociais e populares da cidade, defendendo seus interesses na disputa pela Universidade.

Infelizmente, muitas dessas bandeiras são ignoradas nessa época do ano por medo de perder votos. Se esse cálculo eleitoral determina nossas propostas, tem como dizer que estamos aproveitando o momento para defender nossas pautas na base? Historicamente, foi o movimento estudantil que trouxe essas bandeiras para debate. Não achamos que vale a pena ganhar qualquer entidade sem levar nossas propostas junto.

Disputa da UNE e UCE

Olhamos com sensação de retrocesso coletivo, de derrota estratégica para o campo da esquerda, quando vários grupos do movimento estudantil voltam a tentar disputar a União Nacional de Estudantes (UNE), assim como a União Catarinense de Estudantes (UCE). Isso é, inclusive, uma proposta do programa das Chapas 1 e 2 para o DCE. A UNE atuou por mais de 10 anos como um braço estudantil das políticas petistas de conciliação de classes, além de ter sido um verdadeiro freio de mão em várias das principais lutas desse período. Para citar dois exemplos drásticos recentes, a UNE levou estudantes para trabalhar de graça para a Copa do Mundo de 2014, que desalojou milhares de pessoas e beneficiou as grandes empreiteiras; assim como tirou fotos abraçadas com inimigos do povo como a ruralista Kátia Abreu.

As ocupações das escolas e Universidades nos últimos dois anos estão entre os pontos altos da história do movimento estudantil no Brasil. Essas lutas massivas passaram por fora das entidades nacionais, como a UNE e ANEL, sendo inclusive de oposição a elas em várias situações. Quando essas entidades tentaram aparelhar as ocupações e falar em nome das estudantes, foram expulsas de diversas escolas e espaços de organização do movimento.

A tentativa (fracassada) de disputar a UNE, contra a direção atual da UJS, só contribui para legitimar a entidade como espaço representativo do movimento estudantil e de sua história: quanto mais setores estudantis disputando a UNE, maior a importância ela parece possuir na construção de nossas pautas e estratégias. A reconstrução do movimento estudantil em âmbito nacional só pode acontecer a partir dos processos de luta, desde baixo, não através da disputa dessa entidade.

Para além das urnas

Pelos motivos elencados acima, não compusemos nenhuma chapa, não faremos campanha, não estaremos em nenhuma gestão do DCE no próximo ano, mas votaremos na Chapa 1, “Ainda há tempo”. Entendemos que, dentro dessa chapa, há setores com disposição para defender a Universidade Pública e não utilizar do DCE para fins de interesses do mercado, conchavos com a Reitoria ou para a defesa eleitoral do PT e de suas propostas de aliança com o capital privado na educação.

Independente de quem ganhar as eleições, continuaremos lutando desde a base: nas salas de aula, assembleias, comitês de luta, Centros Acadêmicos, grupos de extensão popular e nas ruas. Um povo forte não se constroi através da conquista da direção das entidades representativas. É a ampliação das mobilizações e o avanço de radicalidade que pode mudar a correlação de forças que estamos vivendo e resistir contra os ataques que sofremos. Compartilhamos das ideias zapatistas para construir autogestão, autonomia, dignidade e alegre rebeldia!

Desde baixo e à esquerda!
Mais fortes são os poderes do povo!

Coletiva Centospé
Setembro de 2017

Quem é Michel Temer na fila do pão?

Artigo escrito a partir das oficinas de análise de conjuntura realizadas nas primeiras semanas de dezembro de 2016 pela mobilização estudantil da Biologia – UFSC, que ocupou o Centro de Ciências Biológicas da UFSC e deu origem à Frente de Arte e Resistência CENTOSPÉ.


“Bater no governo
É coisa do passado
Agora a moda é
No empresariado!”

Primeiramente… primeiramente o quê?

O grito “Fora Temer” ecoou por todas as manifestações populares desde o impeachment. Mais do que isso, essa chamada tomou os muros das cidades, fez parte das músicas e manifestos das escolas ocupadas, roubou segundos de televisão nas invasões das entrevistas ao vivo. “Fora Temer” também esteve presente nas diversas manifestações das artes capazes de refletir seu próprio tempo – para usar as palavras de Nina Simone sobre a essência do fazer artístico.

Agora que temos novas palavras de ordem competindo como elemento unificador das lutas – “Fora PEC 55”, “Contra a MP 746”, “Contra a Reforma da Previdência”, etc. – cabe perguntar: a que propósito serve o chamado por “Fora Temer”? Além de Temer, quem são os agentes por trás desse pacote de maldades em forma de programa de governo? O que quer Sérgio Moro e a Lava Jato? Qual o controle de Temer e do PMDB sobre os outros grandes partidos na Câmara e no Senado? Qual o papel dos grupos que puxaram os atos pelo impeachment nessa nova conjuntura? Por fim, quais rumos podemos tomar como resistência de esquerda nas ruas, escolas, universidades e locais de trabalho?

Uma das perdas que vêm com o pacote de retrocessos apresentado pelo governo de Michel Temer é a Medida Provisória 746, a qual altera o Ensino Médio. No entanto, muito antes de Temer começar a sonhar com o cargo presidencial – antes mesmo de ser mero vice decorativo de Dilma – já havia todo um setor do empresariado nacional articulado, ansiando pelo momento de colocar seus interesses bilionários na mesa. O movimento chamado “Todos Pela Educação” foi um dos grupos ouvidos pelos parlamentares acerca da reformulação do Ensino Médio, entre outros agentes poderosos esmiuçados na reportagem do The Intercept. O “Todos Pela Educação” existe desde 2005 e reúne grupos como Itaú, Unibanco, Bradesco, Gerdau, Santander, Globo, AmBev, Gol, Vale, Natura, McKinsey, Telefônica, DPaschoal, Microsoft e Abril, seguindo as diretrizes do Banco Mundial. Não se trata, então, apenas das vontades de um Executivo impopular ou de um Legislativo majoritariamente alinhado com a Presidência, falamos aqui de um grupo de bilionários e pessoas ligadas ao mercado financeiro que, através de seu braço social, pintam de filantrópicas suas estratégias de longo prazo: para um aumento dos seus lucros, a escola precisa servir mais adequadamente aos seus fins, produzindo o tipo de mercadoria adequada ao sistema que lhes serve, isto é, trabalhadores qualificados e subservientes. A MP 746 é uma deforma empresarial do Ensino Médio, o que coloca em cena um modo legalizado de corrupção: o aparelhamento da educação pública pelos gestores privados.

Não muito diferente da MP 746, está a Reforma da Previdência. Os grupos que dançam em cima dos direitos dos trabalhadores, pela articulação do secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, são quase os mesmos que querem sambar na educação. Bancos como Itaú, Santander e Bradesco, além de representantes de fundos de investimento e fundos de pensões, foram recebidos inúmeras vezes pelo secretário, enquanto as centrais sindicais apenas uma vez, às vésperas da apresentação da proposta. A agenda do secretário, assim como o propósito da reforma, atende a um grupo bem específico, beneficiando exclusivamente os investidores e banqueiros, com destaque para a instituição líder no mundo em serviços financeiros e umas das maiores empresas do mundo, a estadunidense JP Morgan, conhecida por incentivar a inserção de práticas neoliberais na economia de países mundo afora. Segundo a Fenaprevi, representante das previdências complementares (privadas), a procura pelo serviço deve crescer 25% no próximo ano.

Nesse jogo de forças que coordena o governo de Temer, resta só o interesse dos grandes poderosos do mercado mundial. Enquanto os de cima sobem, os de baixo descem: a receita real das micro e pequenas empresas (MPEs) de São Paulo caiu pelo 21º mês consecutivo, por exemplo. Mesmo setores do mercado financeiro, muito alinhados com o impeachment, já falam publicamente sobre o “inferno astral” econômico. Se está difícil no meio da pirâmide econômica, para a classe trabalhadora que (a) sustenta isso tudo a realidade é ainda mais catastrófica. De um ano para cá, tivemos aumento de 3,6 milhões de pessoas desempregadas, somando total 12 milhões de pessoas no país. Se antes já parecia piada, agora não há mais como trabalhar sem pensar na crise!

Mas em qual crise pensamos? Além da econômica, atravessamos uma crise política, impulsionada em grande parte pelos escândalos reunidos pela Operação Lava Jato, que nos últimos dias atingiu a voadoras deputados e senadores, além de inúmeros ministros do atual governo e o próprio presidente ilegítimo. Altos nomes no PSDB, partido igualmente imbricado nas denúncias, já disputam internamente um afastamento do governo para não sujarem seus nomes. Enquanto isso, mantêm como carta na manga o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, que pode ser usado para tentar novas eleições e chegar ao poder de forma direta quando Temer for dispensável. Por meio das delações premiadas com executivos da empresa Odebrecht, caem um a um os aliados de Temer na rede dos corruptos. O interesse da empresa em manter certos parlamentares nos espaços representativos elucida o quão fraco é apostarmos na queda de uma só figura como garantia, pois, segundo um dos próprios executivos, a relação com representantes do legislativo é importante porque eles “apoiam projetos de nosso interesse e possuem capacidade de influenciar os demais agentes políticos”.

A Lava Jato, então, parece vir para reacender a esperança no cenário político, pois garantiria a limpeza nos espaços representativos. No cenário de escândalos, Sérgio Moro viria como o redentor: no último protesto na Avenida Paulista, no dia 04 de dezembro, via-se o boneco do Super Moro sendo carregado pelos manifestantes. Disfarçado de justiça, sustentando a falácia da imparcialidade, parte da população o deixa agir como se não tivesse lado, como se pairasse por cima dos interesses. Porém, esse juiz de Curitiba – com o poder do supersalário acima do teto da lei – não apenas emite mandado de prisão para corruptos, mas também ri e troca confidências com eles em premiação de revista, como vimos na foto do ano ao lado de Aécio Neves. Além da evidente parcialidade das investigações, Moro carrega a responsabilidade pelo atropelo da presunção de inocência e outras bases do Estado “Democrático” de Direito, assim como sustenta o chamado “pacote anti-corrupção” que dá enormes poderes aos Ministérios Públicos e Judiciário, estimulando o punitivismo e desprezo com que já tratam as classes oprimidas da sociedade. Na luta por um país mais igualitário, que não esteja na mão dos corruptores do poder econômico, não há salvadores da pátria, não há Sérgio Moro que retirará o povo de sua agonia. “O que transforma o velho no novo, bendito fruto do povo será”.

No entanto, se nós somos o povo, cadê a gente? A grande mídia tem dito muito que o povo foi às ruas, principalmente quando trata das manifestações do Movimento Brasil Livre e grupo Vem Pra Rua. Porém, não é o que a análise desses atos nos levam a concluir: primeiro, os números apontam que esses atos diminuíram muito em tamanho. Além disso, o perfil dos manifestantes era majoritariamente de pessoas velhas e brancas, um sub-setor bem específico da sociedade, com uma ampla gama de pautas, desde grupos contra o aborto até defensores do retorno da ditadura militar. Os próprios grupos organizadores trocaram farpas antes dos atos, mostrando que os setores que se uniram pelo impeachment não têm unidade no Governo Temer, apesar de continuar blindando o ilegítimo até então. É evidente que o “povão” ainda não foi à rua, em nenhuma das manifestações anteriores. É essa maioria popular que será o fiel da balança, mudando a situação de figura, caso se mobilize por um lado ou por outro. O que não há dúvidas é que o Governo Temer e o grande empresariado estão de panelinha no ataque a essa massa popular, trabalhadoras e trabalhadores, pessoas usuárias dos serviços públicos.

A realidade se apresenta dinâmica, caótica, mas também estimulante. Perdemos a batalha da PEC 55, mas a combinação entre crise econômica, desemprego crescente, Reforma da Previdência, assim como a desmoralização causada nas principais figuras políticas pelas delações da Lava Jato, proporcionam uma enorme indignação popular, capaz de extravasar a qualquer momento para um lado ou para outro.

Usaremos todos os nossos esforços contra a raiz de nossos problemas e não contra seus galhos podres. Não adianta tirar Michel Temer sem jogar na lata de lixo suas medidas liberais e privatistas. A luta é pelo SUS; pela educação pública crítica e abrangente; pelo direito à aposentadoria digna; pela demarcação das terras indígenas; pela auditoria da dívida pública; pela democratização da mídia; pelo fim da Polícia Militar. A luta não é contra um indivíduo, é contra uma estrutura de interesses e privilégios que não nos representa!

A SAÍDA É COLETIVA! Quando os de baixo se movem, os de cima caem!

E finalmente: LIBERDADE PARA RAFAEL BRAGA!

Frente de Arte e Resistência CENTOSPÉ
dezembro de 2016

Referências:

“Conheça os bilionários convidados para reformar a educação brasileira de acordo com sua ideologia” (The Intercept)

“Algo de podre no ar: quando as empresas elogiam a luta secundarista” (Passa Palavra)

“Agenda de secretário da Previdência é dominada pelo mercado financeiro” (Carta Capital)

“Previdência complementar deve acelerar em 2017, diz entidade do setor” (Folha)

“Empresários se desdobram para driblar quase dois anos de crise no Brasil” (El País)

“Frases do dia. A conjuntura do final de semana em destaque” (IHU Unisinos)

“Delação da Odebrecht revela troca de leis por doações a campanhas do PMDB” (El País)

“Com Temer, tucanos e famosos, Moro recebe prêmio e defende judiciário” (Folha)

“O pacote anticorrupção do STF e o fator Minority Report” (Lenio Streck)

“Sobre a Campanha Pela Liberdade de Rafael Braga”